sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Vida Breve

Mais um conto do meu livro. Este é bem mais atual que os últimos postados, escrito neste mês.




Vida Breve

Há tempos ele não olhava as pequenas coisas, as sutilezas, os detalhes, há tempos ele olhava a vida de soslaio, com pressa, en passant e sem cuidado. Os ponteiros dos relógios acelerando seus passos como um abismo que se aproxima. E ele foge. Se refugia da grandeza das pequenas coisas no abrigo imaginário dos afazeres. No abrigo imaginário daqueles que têm muito a fazer, que estão ocupados demais traçando a trilha de sua vida breve: um caminho que ninguém vê. E portanto há tempos ele não se deixava tocar pelos microcosmos, pelos universos individuais que existem em cada esquina ou em cada atendente de supermercado. A vida se mostrava sempre sob o espectro do planejamento de longo prazo, com suas metas e seus meios: nada além de um caminhar árduo para se alcançar um lugar arbitrário criado nas profundezas dos seus devaneios incutidos pela crença sem razão de que na vida se deve chegar em algum lugar. Como se a vida fosse sempre uma viagem de fuga através da qual se devesse necessária e desesperadamente abandonar a terra natal, e o que se decorre durante a existência é o oceano sobre o qual devemos viajar: intocáveis: pois apenas o que importa é o destino. E assim ele há tempos não olhava as pequenas ondas do mar. E a sua vida era breve.




Um grande abraço!
E vê se cutuca a cuca.