domingo, 6 de dezembro de 2009

Ou Deus ou a Inexistência da Arte

por Carlo Felipe Pace


Que Deus não existe é quase um fato consumado. Ou, pelo menos, o é entre os artistas modernos, suposta e decepcionante nata intelectual pensante da sociedade. Na verdade, para eles, não é que Deus não exista, mas com certeza não existe o Deus cristão, esse não existe mesmo. Alguns preferem acreditar em “uma força maior”, outros dizem acreditar na “energia” e alguns chegam até a acreditar em simpatias ou na natureza. Todas as crenças tangenciam a Verdade? Provável... No entanto, não deixam de ser crenças em qualquer coisa. Qualquer coisa, menos acreditar em uma Verdade absoluta e suprema, doutrina da mão imperiosa da Igreja Católica. Verdade – com a letra maiúscula agora apenas devida ao início da frase – seja dita, crenças superficiais são mais agradáveis de ser sustentadas no dia-a-dia, e a aceitação da pluralidade de crenças evita o desagradável conflito intelectual profundo. Melhor assim, para eles. Conflitos intelectuais para os ditos artistas modernos não devem avançar para além dos limites impostos por uma mesa de bar. São generalizações, obviamente, pois existem artistas sérios. E como saber quais são sérios e quais não são? Simples. Ao final da divagação que se segue, os que ainda estiverem no barco, terão chegado à outra margem.

Antes de qualquer coisa, é preciso explicar o porquê dessa petulância específica com os artistas. Primeiro, porque eles são responsáveis pela séria e respeitável continuidade da Arte, e isso não é qualquer coisa. A Arte tem como intencionalidade a representação de uma sociedade e de suas projeções, portanto cobrar os artistas por um mínimo de reflexão menos infantil, não seria nada demais. Segundo, porque a divagação que farei em seguida traça um paralelo importante entre a fé religiosa e o fazer artístico, o que acredito que seja de relevância para os artistas. E terceiro, porque acompanhando suas conversas – nas mesas de bar, uma vez que tem sido difícil encontrá-las nos livros – é possível perceber, por um lado, uma aversão total e completa, até com uma grande dose de escárnio, a qualquer demonstração de fé religiosa mais séria, como se a mesma fosse invariavelmente fruto da ignorância; por outro, um abandono gradativo da subjetividade necessária para a apreensão da fé, com o discurso de que a fé não passa de uma muleta para os fracos e desprovidos de “autocompreensão”.

Pois bem, começo aqui a minha divagação justamente por esse terceiro fato: a descrição da fé como muleta para os fracos e desprovidos de autocompreensão. Por “autocompreensão” estou entendendo a tentativa comum e vã de dizer que é possível encontrar a Verdade em si próprio, no indivíduo, e que a crença em uma Verdade externa, única e suprema – e por conseqüência uma entrega pessoal a essa Verdade – seria caracterizada por um abandono da busca real pela Verdade. Para a maioria dos artistas, não existe uma Verdade absoluta única e os fiéis em uma missa de domingo não passam de indivíduos carentes dessa autocompreensão, indivíduos que entregam suas vidas a uma coisa que nem conhecem e nem sabem se é correta. Confesso que acredito que muitos devem mesmo se enquadrar um pouco nessa descrição, mas então, artistas, eu pergunto: O que é a Arte? E neste exato momento, os leitores devem perguntar qual a importância dessa pergunta nessa divagação. Já deveria ter ficado óbvio, mas vamos prosseguir.

Se fosse perguntado se o que Schiller, Beethoven e Picasso faziam era a mesma coisa, a resposta imediata seria que não. Um escrevia belos textos, outro compunha belas músicas e o outro pintava belos quadros. Se fosse perguntado se uma poesia e uma escultura são a mesma coisa, responderiam que não, que são formas diferentes de expressão artística, com suas específicas técnicas, intencionalidades e, por que não dizer, regras. Sou obrigado a dizer que também entendo assim. Mas, não haveria alguma coisa que aproxime os três indivíduos citados? Ou, mais específica e principalmente, não haveria como que um núcleo central tangenciado pelas três expressões artísticas de cada um deles? Parece que sim, e não é à toa que damos às três coisas o nome de Arte. Compreendemos as três expressões como Arte, mesmo que essa aproximação não seja nada óbvia. Basta lermos uma poesia, olharmos um quadro ou uma escultura e ouvirmos uma música, para percebermos que se tratam de coisas muito diferentes. Muito, mas não totalmente. E por quê? O que faz existir algo semelhante entre palavras escritas, tintas numa tela, uma pedra esculpida e a propagação sonora de diversos instrumentos? Tudo é Arte, é a manifestação da Arte. Entendam bem: Existiria algo para além das manifestações materiais. A Arte seria uma essência da qual as manifestações artísticas são dotadas. As criações artísticas, independente das mídias utilizadas – teatro, literatura, ou o que seja –, despertariam uma coisa em comum, subjetiva, que permitiria que compreendêssemos que são manifestações da Arte. Cada uma das mídias artísticas seria um meio pelo qual a Arte se manifesta. Por isso, mesmo que subjetivamente, conseguimos dizer que há sim algo que aproxime todas as produções artísticas que apreciamos. Mas, o que é a Arte?

Curiosamente, de todos os artistas e não-artistas aos quais pergunto o que é a Arte, obtenho sempre a mesma resposta: Não é possível responder exatamente. As respostas são sempre turvas e repletas de subjetividade, precisando muitas vezes recorrer a exemplos para explicar o que se sente ou o que se pensa sobre a definição da Arte. A Arte não pode ser simplesmente a expressão de um indivíduo, pois existem expressões que não são artísticas (vide os protestos políticos). Também não são apenas as técnicas, pois da mesma maneira existem técnicas que não são artísticas (vide os pedreiros). Também não poderia ser a inovação, a criação do novo, pois dessa maneira qualquer novo produto desenvolvido para um mercado deveria ser considerado uma expressão artística. E assim, sucessivamente, poderíamos ir demonstrando uma a uma as impossibilidades de restringir a definição de Arte a qualquer um dos conceitos comumente apresentados. E, de tal maneira, seria possível concluir que a Arte não existe? Uma afirmação de que a Arte não existe seria instantaneamente alvo de repúdio e desordem. Obviamente, a Arte existiria, pois aí estão os poemas, os quadros, as músicas, as danças etc. Aí estão os artistas dedicando e entregando totalmente suas vidas na tarefa de produzir a Arte. Mas, se acabamos de concluir que não temos a capacidade de distinguir totalmente o que é a Arte, como podemos saber que todas essas manifestações são frutos da existência da Arte? Ou seja, se essa pergunta parece absurda, então a existência de padres, igrejas, orações etc. também deveriam sugerir uma prova de que Deus existe. A mesma subjetividade necessária para definir a Arte e comprovar sua existência também se apresenta para a definição e comprovação da existência de Deus. No entanto, por algum motivo, a sociedade consegue conviver bem com o fato de que milhares de pessoas dediquem a produzir e outros milhões a cultuar uma coisa que, no fundo, ninguém consegue ter certeza do que significa e nem de qual é o seu propósito: a Arte; mas não conseguem aceitar que outros milhões convivam com outra coisa que, apesar de também difícil de compreender, possui alguns propósitos muito claros: o Deus cristão.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Nossos Blogs têm mais vida...

Opa...

Recebi um e-mail esses dias falando sobre a letra da introdução do nosso hino, que teria sido excluída. Resolvi ler um pouco sobre o assunto e vi que tinha material suficiente para falar um pouco sobre isso aqui.

A questão é: Havia, até alguns anos atrás, uma letra que era cantada na introdução do nosso hino (aquela parte que hoje é apenas instrumental). A letra seria a seguinte:

Espera o Brasil
Que todos cumprai
Com o vosso dever.
Eia avante, brasileiros,
Sempre avante!
Gravai com buril
Nos pátrios anais
Do vosso poder.
Eia avante, brasileiros,
Sempre avante!

Servi o Brasil
Sem esmorecer,
Com ânimo audaz
Cumpri o dever,
Na guerra e na paz
À sombra da lei,
À brisa gentil
O lábaro erguei
Do belo Brasil.
Eia sus, oh sus!

Verifiquei e a informação procede em partes. O hino realmente possuía essa letra em sua introdução, porém não fazia parte do poema composto por Joaquim Osório Duque Estrada (que é a letra que utilizamos hoje). Era uma segunda letra escrita por Américo de Moura apenas para a introdução e agregada ao poema que letra todo o resto do hino. Porém, essa letra da introdução não chegou a ser oficializada.

Aliás, nem a letra que usamos hoje é exatamente o poema de Duque Estrada. Segue abaixo a versão original, composta em 1909. Essa letra só seria oficializada em 1922, depois de várias modificações (coincidência ter sido no mesmo ano da Semana da Arte Moderna e da Crise de 22? Eu não saberia responder...). Em negrito está o que foi mudado:

I
Ouviram do Ipiranga as margens placidas
Da Independência o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fulgidos,
Brilhou no céu da patria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade
Conseguimos conquistar com braço forte,
Pelo amor da Liberdade
Desafia o nosso peito a propria morte!

Ó Pátria amada,
Idolatrada,
Salve, salve!

Brasil, um sonho intenso, um raio vívido
De amor e de esperança à terra desce.
Escudo em teu céu azul, risonho e limpido,
A imagem do Cruzeiro resplandece.

Gigante pela propria natureza,
És belo, és grande, impavido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza!
Terra adorada

Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Patria amada!
Dos filhos de teu flanco és mãe gentil,
Patria amada,Brasil!

II
Deitado eternamente em berço esplendido,
Entre as ondas do mar e o céu profundo,
Fulguras, ó Brasil, jóia da América
Iluminada ao sol do Novo Mundo!

Do que a terra mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos tem mais flores,
"Nossos bosques têm mais vida,"
"Nossa vida," no teu seio, "mais amores!"

Ó Patria amada,
Idolatrada,
Salve, salve!
Brasil! Seja de amor eterno símbolo
O pavilhão que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flamula:
- Paz no futuro e gloria no passado.

Mas da Justiça erguendo a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta
Nem teme, quem te adora, a propria morte,
Terra adorada

Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Patria amada!
Dos filhos de teu flanco és mãe gentil,
Patria amada, Brasil!


Está faltando alguns acentos, mas estava assim na Wikipedia e fiquei com preguiça de arrumar. Aproveitando a deixa, um pouco de conhecimento próprio... rs... coloquei entre aspas os trechos que foram utilizados do poema "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias. Ele o compôs cinco anos depois de partir para Portugal, com saudades de sua pátria (o Brasil). É um poema que muita gente conhece o começo. Vale (MUITO) a pena ler inteiro. Aí vai:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Resolvi também reler sobre este poema e vi que Gonçalves Dias se inspirou no poema Mignon, de Goethe. Mas, aí este e-mail ia ficar muito extenso... rs... Só para fechar, a Canção do Exílio possui muitas versões posteriores, de outros escritores, desde sátiras até refeverências. Quem quiser conhecer todas as versões, tem este site: http://recantodaspalavras.wordpress.com/2008/04/05/cancao-do-exilio-e-outras-versoes/

Vou me despedir com uma das versões, a de Jô Soares, para ter um pouco de humor aqui. rs


CANÇÃO DO EXÍLIO ÀS AVESSAS (de Jô Soares)

Minha Dinda tem cascatas
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.
Minha Dinda tem coqueiros
Da ilha de Marajó
As aves, aqui, gorjeiam
não fazem cocoricó.

O meu céu tem mais estrelas
Minha várzea tem mais cores.
Este bosque reduzido
Deve ter custado horrores.
E depois de tanta planta,
Orquídea, fruta e cipó
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Minha Dinda tem piscina,
Heliporto e tem jardim
Feito pela Brasil’s Garden
Não foram pagos por mim.
Em cismar sozinho à noite
Sem gravata e paletó
Olho aquelas cachoeiras
Onde canta o curió.

No meio daquelas plantas
Eu jamais me sinto só.
Não permita Deus que eu tenha
de voltar pra Maceió.
Pois no meu jardim tem lago
Onde canta o curió
E as aves que lá gorjeiam
São tão pobres que dão dó.

Minha Dinda tem primores
de floresta tropical
Tudo ali foi transplantado
Nem parece natural
Olho a jabuticabeira
Dos tempos da minha avó.
não permita Deus que eu tenha
de voltar pra Maceió.

Até os lagos das carpas
São de água mineral.
Da janela do meu quarto
Redescubro o Pantanal
Também adoro as palmeiras
Onde canta o curió
Não permita Deus que eu tenha
De voltar pra Maceió.

Finalmente, aqui na Dinda,
Sou tratado a pão-de-ló
Só faltava envolver tudo
Numa nuvem de ouro em pó.
E depois de ser cuidado
Pelo PC com xodó,
não permita Deus que eu tenha
de voltar pra Maceió.


É isso aí!
Um grande abraço e vê se cutuca a cuca!

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Valor Econômico dos Bens Culturais

Opa... mais um pouquinho de economia da cultura para vocês!
Abaixo segue um texto de Felipe Ribeiro, economista do Ministério da Cultura (MinC). Trata da valoração dos bens culturais, principalmente através de um instrumental microeconômico - ponto de equilíbrio entre Oferta e Demanda -, mas levando em conta variáveis alternativas que incidem sobre esses bens específicos.


30 de novembro de 2007
Valor econômico dos bens culturais
por Felipe Ribeiro, economista do MinC

A dimensão econômica da cultura tem sua expressão mais bem definida quando usamos uma teoria de valor que se aplica primeiramente na teoria econômica, mais exclusivamente na microeconomia. Quando vamos valorar um bem cultural, o primeiro passo é distingui-lo entre um caráter potencialmente privado, no qual demanda e oferta se aplicam intrinsecamente; e um caráter público, que gera presença de externalidades na sociedade e sem um preço definido pela lei de mercado. Geralmente o conteúdo simbólico é fator determinante ao valorarmos tais bens.
Há, também, a presença de bens mistos, como, por exemplo, a pintura de Van Gogh. Esta pode ser vendida e comprada como um objeto de arte e, ao mesmo tempo, é detentora de conteúdo simbólico na história da arte, gerando externalidades para o público em geral, historiadores, amantes de arte, etc.
Voltemos primeiramente aos bens de caráter privado, onde podemos prontamente mensurá-los. Como na teoria do consumidor, estes (consumidores) detêm um conjunto de preferências, e, por uma série de variáveis, escolhem entre o consumo de um bem em detrimento de outro, de acordo com o preço do bem em questão, o preço de bens similares, etc.
Desta forma, é possível uma derivação da curva de demanda como qualquer outro bem, e uma oferta refletindo custos marginais na produção do bem. O equilíbrio é então alcançado. Contudo, o preço, ao contrário dos demais bens ordinários, é variável limitada para se determinar um equilíbrio de mercado.
No que diz respeito aos bens culturais, são necessárias novas qualificações adicionais. Pelo lado da demanda, as preferências são variáveis com o decorrer do tempo. O consumo é visto como um processo, oriundo do grau de conhecimento e experiência adquiridos com o consumo anterior, fazendo com que as preferências sejam mutáveis com o passar do tempo.
Um exemplo clássico está na demanda de uma pessoa interessada em artes plásticas. Tomemos como exemplo a pintura. Quanto mais essa pessoa vai a exposições, mais seu gosto pelas artes se torna aguçado e seu grau de valor muda sensivelmente. Sua curva de preferências e, consequentemente, a demanda dela derivada, é uma variável sempre em processo dinâmico.
Assim, a função de consumo é definida como:
C = f ( P, Poutros bens, R, Canterior)

Conforme vemos, o consumo, além das variáveis comuns que determinam seu valor, também é determinado pelo consumo anterior, que muda os gostos e as curvas de indiferença e, consequentemente, a demanda ao longo do tempo.
Esta peculiaridade dos bens culturais privados também se aplica pelo lado da oferta, onde os produtores nem sempre são maximizadores de lucro (particularmente artistas plásticos) e o preço esperado da oferta envolve critérios subjetivos, não dependendo dos custos marginais de produção ou da receita aparente.
No que concerne aos bens culturais, conforme vimos, o preço não representa um indicador chave no valor econômico. Esta situação complexa é resolvida, nos dias de hoje, de forma simples. É aceitável, por exemplo, o uso de estatísticas de mercado, como o volume transacionado de música, a renda auferida de cinema, o público consumidor, entre outras, para se caracterizar um valor econômico do bem em questão - nem sempre determinado de forma explícita, porém como uma variável aproximada.
Tratando-se de bens culturais públicos, o uso de procedimentos de medidas econômicas se torna, mais uma vez, possível.
Conforme salientamos, tais bens são providos na maior parte pelo governo e têm valor intangível, alcançando um espectro que ultrapassa o lado econômico, gerando externalidades também presentes na esfera social. O aumento da qualidade de vida se faz presente quando o Estado provê tais bens. Um exemplo clássico é a revitalização do patrimônio histórico de uma cidade. Com o passar do tempo, acompanhado de conscientização patrimonial, os cidadãos do local cujo patrimônio foi revitalizado começam a usufruir de melhor saneamento, limpeza das ruas, iluminação pública e, condizente a esse processo, melhorias econômicas. Com o aumento do turismo cultural, novos empregos são gerados, a renda da população melhora de nível, etc.
Com relação a estes bens culturais, como todo bem público, há o problema da estimação das curvas de oferta e demanda. Os procedimentos descritos acima encontram sua base no método da valoração de contingente (CVM), pelo qual são adaptadas condições para se derivar as curvas de oferta e demanda como as de um mercado tipicamente privado. É utilizado o consumo agregado potencial para dado preço no caso da demanda, e, no caso da oferta, os custos variados de produção. Tal método é uma estimação limitada na qual o mercado não encontra respaldo.
São utilizados, mais uma vez, métodos de conteúdo simples, como estatísticas de público consumidor, além de lucro auferido pelo Governo ao prover tais bens e aumento do desenvolvimento sócio-econômico por meio de um leque de indicadores.
Texto elaborado com base no livro Economics and Culture, de David Throsby, adaptado ao caso brasileiro.
http://www.cultura.gov.br/site/2007/11/30/valor-economico-dos-bens-culturais/
É isso aí!
Até a próxima.
E vê se cutuca a cuca!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O Produto Cultural

Opa! O importante é ser constante... Não tem sido o caso desse blog. Mas, então que seja devagar e sempre!

Segue mais um texto meu sobre o mercado cultural. Nesse texto, utilizo o conceito econômico de Utilidade Marginal Decrescente, que seria: Cada nova unidade consumida de um mesmo produto tem uma utilidade menor do que a anterior. Sendo assim, segue:

O ponto crucial da discussão quando é analisado o contexto atual é a percepção da impossibilidade da auto-sustentação, ou seja, o artista não encontra no mercado uma remuneração pelo seu trabalho que viabilize novas produções. A arte enquanto produto não se paga. E o principal problema sempre levantado nas discussões dedicadas a este assunto é a falta de consumo, de público, de demanda pela produção artística. Segundo os dados do IBGE[1], publicados por Cândido José Mendes Almeida, é impossível que a receita direta custeie a produção cultural no Brasil, salvo raras exceções. Entende-se por “receita direta” toda a receita gerada pela comercialização do produto cultural (ingressos de peças, filmes ou exposições, vendas de quadros, de livros etc.).
Ainda na mesma publicação, apresenta que os consumidores regulares de cultura correspondiam, em 1992, a 5% da população economicamente ativa e a 2% da população total, ou seja, pessoas que recebiam acima de 20 salários mínimos. Essa constatação pode trazer a análise sobre as preferências de gasto do consumidor em relação à renda, pois fica explícita a concentração do consumo de bens culturais pelas classes sociais mais elevadas.
Contudo, é importante observar que a restrição do consumo de bens culturais às classes mais elevadas não é simples de ser explicada. Em primeiro lugar, não podemos assumir que o consumo de cultura se equivalha ao de bens de luxo. E não podemos assumir por uma questão conceitual. Contradizendo o pressuposto econômico das utilidades marginais decrescentes[2], o consumo de bens culturais fomenta a criação do hábito, como explicou Alfred Marshall:

“Quanto mais boa música uma pessoa ouvir, mais provável é que seu gosto por ela aumentará”.[3]

A justificativa de Marshall é apresentada e comentada por Ana Carla Fonseca Reis:

“Marshall justificava essa exceção pelo fato de o conceito de utilidade marginal decrescente não contemplar um lapso de tempo nas preferências de uma pessoa, mas sim referir-se a um momento pontual. [Porém] quanto mais produtos e serviços culturais uma pessoa consumir, mais gosto terá por esse consumo.”[4]
Mas, nem a justificativa de Marshall, nem o comentário de Ana Carla, compreendem totalmente a contradição do pressuposto da utilidade marginal decrescente dentro do consumo cultural. É óbvio que, em alguns casos, o consumo cultural parece obedecer ao pressuposto – assistir a dez peças de teatro ou a dez filmes consecutivos causa mesmo um certo desprazer. Mas, mesmo nesses casos, o desprazer é gerado simplesmente por uma limitação física, a qual é ultrapassada ao se assistir a tantas horas seguidas de teatro ou cinema, e não pela falta de desejo de consumir mais uma unidade. O que é preciso compreender é o seguinte: O desprazer gerado pelo consumo consecutivo de teatro ou cinema é apenas físico e não conceitual. Ou seja, o consumidor gostaria de assistir mais ainda, mas seu corpo e sua mente não permitem. É diferente do consumo de sorvete, por exemplo, no qual, após a segunda ou terceira unidade, o consumidor não quer continuar consumindo. E não quer não por um desprazer apenas físico, ele realmente não deseja mais uma unidade. No caso de um bem de luxo isso também ocorre. Por exemplo, uma roupa ou um carro: O consumo de uma unidade adicional de ambos pode ser útil e prazerosa, mas já não será tanto quanto na primeira unidade. É importante perceber que em se tratando do consumo de bens culturais isso não ocorre, pois o consumo de mais um filme ou mais um livro ou mais uma música é tão útil e prazeroso – se não mais – que a primeira unidade. Portanto, há uma diferença tênue, mas substancial, entre os dois tipos de consumo: No consumo de bens de luxo, o pressuposto da utilidade marginal decrescente é válido, mas no de bens culturais não.


[1] ALMEIDA, C. (org.) Marketing Cultural ao vivo. Depoimentos. p. 14.
[2] Ou seja, a utilidade marginal proporcionada pelo consumo de um bem diminui a cada nova unidade adquirida, até o ponto em que adquirir uma nova unidade passe a causar uma desutilidade.
[3] MARSHALL, A. Principles of Economics.
[4] REIS, A. C. F. Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável.




É isso aí!
Um grande abraço e vê se cutuca a cuca!

domingo, 19 de julho de 2009

Charges sem talento

Para filósofos e sambistas, mais uma charge sem grandes pretensões. Mas, a semelhança é mesmo inegável.

Sartre e Dona Ivone Lara
















Um abraço!

E vê se cutuca a cuca.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O Passado no Presente e no Futuro

Opa...

Demorou, mas cá estou de novo com mais alguma coisa. O que segue abaixo é um texto que seria um abuso dizer que é meu. Possui algumas frases minhas, costurei o texto, formatei-o dessa forma, mas as palavras e idéias principais não são minhas. Copiei muitos trechos ipsis literis dos textos que cito ao final como bibliografia, sendo então os principais créditos de: Fernando Henrique Cardoso, Luiz Carlos Mendonça de Barros, Reinaldo Azevedo e Rui Nogueira.

Por que este texto? Para mostrar como diversas discussões ocorridas em tempos passados sobre problemas socioeconômicos continuam muito atuais, e provavelmente ainda continuarão por muito tempo. E, principalmente, por concordar com as idéias apresentadas por este grande pensador que é Fernando Henrique Cardoso. E como nunca é demais relembrar boas idéias, segue:


Uma Análise sobre a "Teoria da Dependência Associada", de Fernando Henrique Cardoso

Completando 40 anos de sua publicação, o livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina – fruto da parceria de FHC e Enzo Faletto – continua sendo objeto de muitas leituras enviesadas. Resultado é que se criou ao seu entorno uma enorme desinteligência: A concepção de que FHC e Faletto escreveram uma obra que prova a impossibilidade de os capitais dos países “do centro” poderem industrializar os países da “periferia” (para usar a terminologia Cepalina). Quando na verdade se tratava – seria possível dizer – exatamente do contrário. Como explica Reinaldo Azevedo, diretor de redação da revista Primeira Leitura:

“Contra a linha do Partido Comunista, contra certo fatalismo vigente na Cepal (sob forte influência o argentino Raúl Prebisch), os autores caracterizaram formas diversas de dependência e trataram sobretudo das possibilidades (e não das impossibilidades) de o ‘centro’industrializar a ‘periferia’. (...) Vale dizer: se teoria havia, era antes sobre as variáveis da independência dos países da tal ‘periferia’.”

Fernando Henrique aponta que o que era sua intenção de criar, fundamentalmente, uma “teoria do capital”, acabou se tornando popularmente e erroneamente a tal “Teoria da Dependência” (expressão considerada por ele “absurda”). No seu trabalho, é possível perceber uma dupla intenção crítica. Por um lado, a crítica das análises do desenvolvimento que abstraem os condicionamentos sociais e políticos do processo econômico; principalmente as concepções evolucionistas (das etapas) e funcionalistas (especialmente a teoria da modernização) do desenvolvimento. Sobre este lado, temos as próprias palavras de FHC:

“A crítica se faz mostrando-se que o desenvolvimento que ocorre é capitalista e que não pode desligar-se do processo de expansão do sistema capitalista internacional e das condições políticas em que este opera.”

Por outro lado, há uma crítica que tem por objetivo revelar que a “análise” estrutural dos processos de formação do sistema capitalista só tem sentido quando referida historicamente. Prisma sobre o qual também é possível destacar as palavras de FHC:

“As estruturas condicionantes são o resultado da relação de forças entre classes sociais que se enfrentam de forma específica em função de modos determinados de produção. Trata-se, portanto, de valorizar um estilo de análise que apanha os processos sociais num nível concreto.”

No livro, foram explicitados alguns conceitos válidos ainda hoje sobre as possibilidades e limitações das chamadas economias dependentes, que têm espaço e autonomia para planejar o seu desenvolvimento, mas que não conseguem operar apenas segundo suas intenções. O contexto ideológico, sobre o qual o livro Dependência e Desenvolvimento na América Latina foi escrito, era marcado pela tradição do pensamento da esquerda, articulado a partir do pensamento do Partido Comunista, que tinha por sua vez uma ligação com a teoria geral do comunismo, segundo a qual a luta se dava contra o imperialismo, tendo de haver uma aliança da burguesia local com o Estado e com os trabalhadores para acabar com o latifúndio e com o imperialismo. Porém, nessa época, FHC (então membro da Cepal) já havia feito uma pesquisa em São Paulo com diversos empresários e observado que, em sua maioria, predominava a idéia da organização para se associar a empresas estrangeiras. E já havia investimento estrangeiro. Já estava começando a surgir o que FHC chamaria, depois, de “relação de dependência associada”. Ele percebe que a teoria da burguesia nacional não se sustentava. Não havia uma burguesia esclarecida que fosse fazer a democracia e o crescimento econômico para, depois, os trabalhadores se unirem para fazer o socialismo.

Porém, na Cepal corria uma outra teoria mais sofisticada, sustentada principalmente por Raúl Prebisch em um livro sobre o pensamento de Keynes: A teoria da “deterioração dos termos de troca”. Ele mostrava que a troca entre commodities e produtos industrializados se dava sempre em detrimento de quem importava industrializados, pois o valor relativo era maior. E isso porque os ganhos de produtividade havidos pela industrialização nos países centrais não se transferem para a baixa do preço porque os trabalhadores desses países se organizam e puxam o salário para cima. A idéia central era então de que nós, no Brasil – e na América Latina, em geral – vamos perder se nos limitarmos à exportação de commodities. Depois temos de, ao nos industrializarmos, aumentar o coeficiente tecnológico, e isso só seria possível – uma vez que não temos capital – através da interferência do Estado e do capital privado, inclusive estrangeiro.
Mas, FHC discute que tanto uma teoria quanto a outra – tanto a de esquerda como a cepalina – eram muito mecânicas. Elas apresentavam que, dados os fatores gerais, determinavam-se as especificidades. O livro de FHC sobre desenvolvimento e dependência tenta mostrar que não é necessariamente isso que ocorre. Apesar da real deterioração do sistema de intercâmbio e dos interesses imperialistas, há tipos diversos de vinculação com o centro. E desses diversos tipos, destacam-se três:

1º: Quando se tem um setor capaz de produzir acumulação – como é o caso da agricultura no Brasil e na Argentina. Ele cria capital aqui dentro e depois investe esse capital até na indústria. Ele pode até se associar em um próximo momento, mas possui um certo dinamismo. Consegue-se assim formar uma burguesia e um proletariado. Nesse caso, é possível haver industrialização do mercado interno.

2º: Quando se tem um enclave. Quando o capital vem de fora, passa pelo país, e a realização é feita lá fora. Nesse caso, não é possível uma industrialização do mercado interno, pois os grupos locais se organizam, o Estado é que dá a concessão para o estrangeiro, a modernidade fica contida num enclave, e as classes locais são burocráticas e vivem de tirar dinheiro do governo, do Estado. É o caso da Venezuela. Não se cria propriamente uma burguesia porque o espírito empresarial está com o capital estrangeiro. Até se cria um operariado, mas no enclave.

3º: Quando os capitais externos passam a investir na periferia. Investimento na produção de bens de consumo e de bens de capital. Nesse caso, altera-se a dinâmica.

Portanto, percebe-se que é possível para um país ter maior ou menor chance de um curso histórico, dependendo de como se dê a dinâmica, apesar das limitações genéricas. Para fechar com as palavras novamente de FHC:

“Eu queria quebrar o mecanicismo da visão e mostrar a importância do fator político, que está ligado, naturalmente, ao econômico e ao social.”

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Bibliografia:
- “TEORIA DA DEPENDÊNCIA” OU ANÁLISES CONCRETAS DE SITUAÇÕES DE DEPENDÊNCIA?, Fernando Henrique Cardoso (1970).

- Revista PRIMEIRA LEITURA, edição nº 29, 2004.

- AS IDENTIDADES DO BRASIL DE VARNHAGEN A FHC, José Carlos Reis (1999).
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Um grande abraço!

E vê se cutuca a cuca!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Já que vale tudo...

Havia separado para essa postagem um texto sobre o "Animal Spirit", do economista John M. Keynes, mas ele está escrito em uma página de caderno e a preguiça de digitá-lo foi maior do que minha esperança de um blog com bastante conteúdo. Porém, para não passar em branco - e já que neste blog vale tudo mesmo - vai uma das minhas charges. Sim, para os que não sabem, tenho algumas delas feitas com todo o amadorismo da minha qualidade como desenhista. Postarei algumas delas de vez em quando aqui.
A preguiça estava tanta que nem me dei ao trabalho de usar o scanner. Foi uma foto da página mesmo. Vale a idéia... eu acho... E Keynes fica para a próxima...
A Meta Física de Aristóteles
Um abraço! E vê se cutuca a cuca!


terça-feira, 26 de maio de 2009

Mais do mesmo...

Era para ser apenas uma resposta ao comentário de Gabriel Ferreira sobre meu texto "A Lei Rouanet: Incentivo à cultura ou monopólio do financiamento?" (colocado na última postagem). Porém, foi tomando volume, então achei melhor criar um novo post. Here it comes...

Mestre Gabriel!

Bem apontado suas duas questões. É muito comum imaginarmos que um fundo totalmente público, administrado unicamente pelo governo, acabaria por ter seus destinos viesados por decisões corruptas ou, no mínimo, com intenções bastante questionáveis. Concordo plenamente. Porém, há de se ressaltar dois pontos:

1º: Hoje o fundo já é totalmente público. Quando a Lei foi criada, a intenção era de que as empresas se sentissem motivadas a financiarem projetos culturais com verba privada. Porém, o que tem ocorrido é que as empresas apenas financiam o que fica dentro dos 4% do Imposto de Renda (que é o limite estipulado pela Lei Rouanet, sendo que qualquer valor que passe disso deveria ser coberto pela empresa: que era justamente a intenção da lei). Então, no final das contas, o fundo já é público uma vez que as empresas não costumam financiar com verba privada os valores que passam dos 4%. Logo, teoricamente, não seriam criados mais impostos caso as empresas não participassem mais do processo.

2º: Hoje o fundo já é totalmente administrado pelo governo. É ele quem analisa os projetos, enviados pelos produtores culturais, e decide quais serão aprovados para o financiamento. O problema hoje é que, uma vez aprovados, os produtores precisam captar essa verba junto às empresas, que abaterão o valor do seu Imposto de Renda. E aí é que está o grande problema. Não necessariamente todos os projetos que foram aprovados para utilizarem verbas públicas para financiamento conseguirão aprovação junto aos departamentos de marketing das empresas (por não haver interesse em atrelar a marca a algum dos projetos, por não fazer parte da política da empresa etc.). Ou seja, uma parte da verba que já foi destinada pelo governo a ser utilizada para financiamento da cultura simplesmente não será utilizada, pois alguns produtores culturais não conseguirão nenhuma empresa que se interesse pelo projeto.

Sobre a questão por você levantada de que o governo poderia usar esse fundo público para marketing – uma vez que as empresas não estivessem mais no processo – também é coerente. E isso realmente aconteceria. Na verdade, isso realmente já acontece. Quanto a isso não haveria muito mais a se fazer além de conferir os relatórios anuais do Ministério da Cultura, e cobrar para que as decisões sobre os projetos aprovados fossem justas. De qualquer maneira, por mais bizarro que possa parecer esse raciocínio: Já que alguém vai fazer marketing com o financiamento, que seja quem realmente financia o projeto.

Só para levantar uma questão que não abordei no meu texto, mas que é de suma importância: Uma das cláusulas da Lei Rouanet exige que os projetos financiados através dela devem obrigatoriamente chegar ao público a preços populares. Isso pois todos os custos (incluindo divulgação do trabalho, salário de todos os envolvidos etc.) já são bancados pelo financiamento. Ou seja, o projeto não necessita que haja retorno financeiro. A idéia é justamente facilitar o acesso à cultura para a sociedade. Bem, sobre isso, não preciso nem lembrar os preços dos ingressos para o Circo de Soleil que foi financiado pelo Bradesco através da Lei Rouanet, né? E esse dinheiro todo para onde foi?

Um abração e obrigado pelo apoio sempre!

E vê se cutuca a cuca!

Carlo

domingo, 10 de maio de 2009

Lei Rouanet para quê?

Com o crescimento do chamado Mercado Cultural, algumas questões vêm à tona sobre a sua estrutura de funcionamento. Entre diversas leis de incentivo, patrocínios, permutas, apoios, o artista por vezes se perde e não consegue perceber alguns problemas na dinâmica da produção artística. Principalmente, no que diz respeito ao mercado. Hoje, resolvi postar aqui um pequeno texto meu sobre este assunto, mais especificamente sobre a Lei Rouanet e algumas de suas complicações. Então... lá vai:



A Lei Rouanet: Incentivo à cultura ou monopólio do financiamento?


Desde a década de 70, o patrocínio de ações culturais já é pauta na agenda de diversos países. No Brasil, porém, o assunto apenas ganhou impulso a partir da década de 90, com a instituição das leis culturais. Quando, na segunda metade da década de 90, uma onda de privatizações marcou a economia brasileira, viu-se também uma explosão de patrocínio de megaeventos. Como afirma Ana Carla Fonseca Reis:

“Muitas dessas empresas não tinham como estratégia firmar um comprometimento com a cultura, mas buscavam apenas anunciar sua chegada com pompa e circunstância, junto à mídia e a seus novos consumidores.”

Uma iniciativa a priori sem problemas. Aliás, uma iniciativa que até beneficia a todos: a empresa, os artistas e os espectadores. Porém, fato é que diversos desses megaeventos foram patrocinados por empresas que se utilizaram das leis de incentivo à cultura – mais especificamente a Lei Rouanet –, o que significa que o dinheiro destinado ao patrocínio destes eventos na verdade foram verbas públicas apenas mediadas pelas instituições privadas. Qual o real problema nisso?
Em primeiro lugar, vamos rever o funcionamento da Lei Rouanet. O artista entra com um projeto no Ministério da Cultura em busca de um patrocínio para uma de suas produções. Supondo que o MinC aprove o projeto deste artista por considera-lo de importância relevante ao desenvolvimento cultural do país, ele libera uma verba para patrocínio. Porém, esta verba não sai direto de um fundo público, e sim cabe ao artista ir buscá-la junto a uma pessoa física ou jurídica, que por sua vez abaterá este valor dado ao artista do seu imposto de renda. O que vemos ser criado aqui então é um processo no qual um dos agentes não tem real funcionalidade prática: a pessoa física ou jurídica que dá o dinheiro ao artista e abate do seu imposto de renda.
No Dia Mundial do Teatro4 de 2008, em um protesto contra a Lei Rouanet, o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Ney Piacentini, afirmou:

“A lei que propomos é baseada em um fundo público. Não depende de renúncia fiscal, muito menos dos departamentos de marketing das grandes empresas, que hoje escolhem quem ganha patrocínio.”

A proposta da Lei Rouanet seria incentivar o patrocínio da cultura por parte de outros órgãos que não o governo, como as empresas, por exemplo. No entanto, as empresas são instituições privadas que visam o lucro, e todas as suas ações devem convergir para este objetivo. Consciente disso, o ideal de promover a manutenção e o desenvolvimento da cultura não estará necessariamente entre as principais metas de um patrocínio provindo de uma empresa. Em uma pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro e distribuída no Encontro do Conselho de Cultura da Associação Comercial do Rio de Janeiro, em 1998, houve uma revelação interessante no que se refere aos principais motivos invocados pelas empresas para tomarem a decisão de investir em projetos culturais: 65% delas consideram que esse investimento representa ganho de imagem institucional, enquanto 28% acham que o investimento agrega valor à marca da empresa. Motivos que não teriam problema algum não fosse o fato de que 100% da amostra de 111 empresas terem se beneficiado de leis de incentivo fiscal5.
Dentro deste conturbado contexto, cheio de confrontos de interesses, há então duas questões dignas de análise. Em primeiro lugar, a detenção por parte das empresas do poder de decisão sobre os patrocínios. E, em segundo lugar – mas não menos importante –, o bem-estar dos artistas. No fundo, as duas questões estão totalmente relacionadas, sendo talvez a primeira uma variável na função da segunda. Quanto maior o monopólio das empresas sobre a oferta de patrocínios, menor o bem-estar dos artistas. É uma simples lei econômica de oferta e demanda que anuncia uma falha no funcionamento deste processo de patrocínio. Isso sem contar os distúrbios de ordem ética que o mesmo gera, visto que é na mão de um agente que não possui um gasto real e que não possui os ideais corretos que está a decisão de quem serão os patrocinados. E mais: é sobre o nome dele que haverá o mérito de patrocinador e promovedor de cultura.
Ao utilizar o conceito de “bem-estar dos artistas”, toma-se o mesmo pelo conceito econômico. Ou seja, tendo como agentes as empresas e os artistas, e sendo estes ofertante e demandante por patrocínio respectivamente, quanto mais as empresas se apropriam do excedente dos artistas, menor o bem-estar dos mesmos. Melhorando: Uma vez que a Lei Rouanet é uma possibilidade de patrocínio com raros substitutos perfeitos, a demanda por parte dos artistas torna-se inelástica, e cria para as empresas uma condição cômoda para exigir regalias cada vez maiores. Desde um grande destaque ao nome da empresa nos meios de divulgação do trabalho artístico – muitas vezes maior até do que o nome dos próprios artistas – até cotas de ingressos para funcionários ou mesmo colocação de estandes promocionais da empresa na porta de entrada do evento. Essa posição da empresa gerada por uma falha no sistema de financiamento permite que ela se aproprie do excedente de benefícios que os artistas estariam dispostos a fornecer em troca de um patrocínio. E pior. Na verdade, a empresa consegue isso se utilizando de dinheiro público, uma vez que ela abaterá do seu imposto de renda o valor destinado ao patrocínio. Marketing de uma empresa privada financiado pelo governo.
A proposta das leis de incentivo é estimular as empresas a participarem de forma mais ativa, desenvolvendo a área cultural, gerando renda e criando mais empregos diretos e indiretos, reforçando a compreensão de que o investimento privado e público em cultura não é gasto, mas ganho em qualidade de vida da população e avanço em termos de desenvolvimento6. Ao se abster do processo direto de financiamento, trocando o fundo público pelo incentivo fiscal, o governo cria uma assimetria de poder que beneficia os ofertantes de patrocínio que não necessariamente possuem como objetivo primordial a promoção da cultura.



É isso aí.

Um grande abraço e vê se cutuca a cuca!

quinta-feira, 7 de maio de 2009

E... Valendo!

Depois de adiar muito, eis aqui finalmente meu Blog. Para um escritor, acho que até relutei muito antes de entrar nesse mundo digital. Nada contra, muito pelo contrário: É por achar os Blogs muito interessantes que resolvi que só criaria um quando tivesse algo decente para postar. Se já tenho? Não sei... Mas, de repente, vi acumulados diversos textos meus - acadêmicos, artísticos ou apenas rascunhos - e não fazia idéia de qual fim dar para eles. Pronto, encontrada uma justificativa para o Blog.

Tentarei selecionar bastante o material aqui publicado, por isso as atualizações podem demorar às vezes. Espero que consiga manter uma periodicidade razoável.

É isso...
Amanhã coloco o primeiro texto.


E vê se cutuca a cuca!

Carlo