quarta-feira, 21 de julho de 2010

Cambalhota

Opa...

Antes que surja mofo, segue mais um conto do meu próximo livro.


Cambalhota

O espaço está vazio pois todos estão ocupados agora. Apenas ele, um homem, se mantém sentado em um caixote de madeira apoiando os cotovelos nos joelhos e a cabeça nas mãos enquanto pensa desordenadamente em tudo que lhe aflige. Sua mulher foi embora levando consigo o garoto e tudo que deixou foi um bilhete escrito às pressas em cima da mesa sem dizer para onde ia. O homem ouve as vozes vindas lá de fora mas não se mexe, pois ainda há tempo para sua solidão. Pensa no garoto e nos olhos de sua mulher aleatoriamente enquanto lembra que o aluguel está vencido e ele ainda não tem dinheiro para pagar. Lembra também que ainda precisa se decidir se vai deixar sua mãe agora viúva vir morar com ele ou se vai dar um jeito para pagar outro aluguel além do seu. Pensa no garoto e na sua mãe e nos olhos de sua mulher e suspira profundamente lembrando que além de tudo seu cachorro está doente. Alguém entra, pega alguma coisa rápido e sai, sem falar nada, e ele ainda com seus olhos cravados no chão enquanto ouve finalmente os aplausos vindos lá de fora. Esfrega o rosto com as mãos, dá mais um suspiro e se levanta. Olha em volta ainda um pouco confuso, mas não há muito que fazer. Respira fundo, coloca o nariz vermelho e abre um sorriso; e entra no picadeiro dando uma cambalhota.


É isso aí.
E vê se cutuca a cuca!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Outono

Sempre me pergunto se há realmente necessidade de fazer alguma espécie de introdução nos posts antes de colar o texto que realmente importa... Mais inútil ainda é fazer da introdução um questionamento sobre a real necessidade da introdução.

Segue abaixo mais um conto do meu livro de contos.



Outono

Era simples para aquela senhora tomar um pileque dois três goles e dormir. Viver até bastar-se do dia e dormir até abastardar a morte. No pranto do quarto, porém, quando se olhava nua no espelho, cada ruga de sua tristeza era uma ferida na pele, como tumores, como cicatrizes sem glória de uma guerra perdida. E ela, combatente sem farda ou vergonha, via nas rugas os filhos, na flacidez o trabalho, nos cortes de estrias que varavam o corpo todos os instantes de uma vida ridícula. E tomava um pileque dois três goles para esquecer e dormir e deitar e morrer, todas as noites, na esperança de renascer quando manhã. Mas então o sol é o mesmo e o céu e o dia os mesmos e ela também; senhora, velha que não quer a velhice, que pinta a juventude com batom. Sob os olhos esconde a angústia com pó, lápis e pincel. Esconde a morte, disfarça a dor de não ser mais aquilo que a fazia ser quem fora. Era agora um espelho quebrado para o mundo, acreditava. E para ela mesma não sabia o que ser, perdida em uma nudez seca com um vestido de seda aos pés.

(Setembro/2009)


Um grande abraço!

E vê se cutuca a cuca!