segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Num piscar de olhos, a realidade.

Holaquetal?

Faz exatamente dois meses que nosso ilustríssimo Gabriel Ferreira postou um ótimo texto em seu site Inter-esse. Desde então, tenho tanto postergado tanto este comentário, que acabei até gerando certa expectativa. Espero não frustrá-lo. Mas, fato é que iniciei e desisti deste texto por diversas vezes, até encontrar o tom correto das palavras que eu queria dizer.

Antes de prosseguirem, por favor, leiam ou releiam o texto que originou o que se segue: http://www.gabrielferreira.com.br/index.php/algumas-consideraes-sobre-as-perspectivas-atuais-da-teologia-e-da-filosofia-da-religio/


Tentei criar argumentos, concordar, discordar e criar reflexões a partir dos seus escritos, porém nada se mostrava da maneira como eu desejava. E o que eu simplesmente desejava era deixar claro o que eu penso sobre o status quo, no que se refere à Teologia Moderna, à Filosofia e à relação entre a sociedade e a Igreja Católica. Acredito ter encontrado este tom abandonando o caráter técnico do texto acadêmico e descrevendo, sem muitas preocupações, como se decorreu comigo a aproximação com o Cristianismo. E não é à toa que faço isso: Acredito que as dúvidas, angústias e opiniões que me eram latentes em relação ao Cristianismo – e, principalmente, à Igreja Católica –, antes dos meus parcos estudos, assolam uma grande maioria dos ditos “ateus”, ou, pelo menos, daqueles que de alguma maneira possuem qualquer tipo de aversão àquilo que hoje nos é tão caro. Por isso, tenha sempre em mente que a grande maioria dessas pessoas poderia ser levada em conta em cada “eu” descrito neste texto.

Separarei o texto, para efeito de facilitação do entendimento, em duas etapas. Vamos à primeira:


A Formação dos Ateus (Ignorantes sem Culpa)

Fato é que hoje acredito que muito da culpa de tantas pessoas avessas à Igreja é da própria Igreja e, principalmente, dos cristãos. Desde pequeno, o contato com aquilo que provém da Igreja, em todos os aspectos, é feito de forma tosca. Primeiro, porque os que se dizem fiéis não compreendem exatamente aquilo no que acreditam e não cumprem um terço daquilo que insistem em pregar, o que resulta em ensinamentos xucros e superficiais, além de uma hipocrisia causada pela realidade entre aquilo que pronunciam e aquilo que praticam. “Queira Deus que os filhos contemplem mais os momentos de harmonia e afeto dos pais e não os de discórdia e distanciamento, pois o amor entre o pai e a mãe oferece aos filhos uma grande segurança e ensina-lhes a beleza do amor fiel e duradouro” (A Transmissão da Fé na Família, Ratzinger). Obviamente, isso é percebido pelas crianças e adolescentes, e não é à toa que provavelmente chegarão céticos quanto a esse assunto na idade adulta. Ou seja, em casa não se tem um bom exemplo, do qual pudesse surgir uma admiração por parte das crianças: Aquela mesma admiração que as fazem desejar ter a mesma profissão dos pais. As crianças não enxergam nos pais a mesma devoção que possuem quanto à profissão dedicada à religião. Como escreveu Felipe Aquino: “É no colo da mãe e do pai que a criança precisa conhecer a Deus e seu amor, seu plano para o mundo, o sentido da vida, o valor da virtude, a obediência aos Mandamentos, a vivência dos Sacramentos, uma reta moral de vida, e a vida de oração. Quem não conheceu o amor de Deus através do amor dos pais terá muito mais dificuldade para acolher e experimentar esse amor e viver uma vida religiosa autêntica”. Tanto é verdade isso que sou prova viva de como o bom exemplo dentro de casa traça fortemente os caminhos que tomamos na vida. Apesar de ter abdicado de qualquer posição religiosa durante quase toda a minha vida, sempre carreguei o exemplo do amor verdadeiro que tive dentro de casa. Mesmo não tendo uma orientação a partir da doutrina cristã católica, de alguma maneira, enxergava no respeito, caridade, honra e educação – que sempre foram exigidos dentro de casa – uma base sólida para a concepção do meu caráter. Tão forte é isso que ao estabelecer um contato mais próximo e sério com a filosofia da Igreja, percebi o quanto ela dava sentido àqueles valores que sempre carreguei. Tive sorte de ter uma boa família, sou uma exceção. Uma criança que não aprende o valor da virtude, nem os corretos ensinamentos do cristianismo (solidificados através do exemplo dos pais), certamente tenderá para outros caminhos.

Mas no que tange as influências externas ao indivíduo, ainda restariam duas salvações para aqueles que não gozaram de uma família harmoniosa. A primeira é a escola, mas o conteúdo da mesma hoje está invadido por um pensamento imediatista e carregado daquele cientificismo das provas empíricas anti-religioso. Isso sem contar a pedagogia medíocre e péssima qualidade dos professores. Logo, as grandes questões da existência não surgem para que se pudesse, ao menos, plantar o germe da inquietação nos alunos. Eles passam ilesos das questões fundamentais da existência. Veja bem: Eu não acho que necessariamente a escola deva ter a doutrina cristã como fio condutor, mas sim que a educação por ela provida deveria obrigatoriamente inquietar os alunos quanto a essas questões fundamentais. Ao contrário, hoje a escola limita, desestimula a vontade de conhecer e se esforça para extinguir dos alunos a angústia da existência. O resultado é que os jovens hoje não são ateus, são anêmicos.

A segunda salvação seria o Catecismo e a Crisma (Catequese), cuja obrigação para as crianças ainda existe na grande maioria dos lares (mesmo nos daqueles péssimos fiéis já citados). E, aí sim, está o problema mais grave, a ferida mais exposta. A própria Igreja não designa Padres suficientemente preparados para essa atividade tão crucial para a sua sobrevivência. Assim como a escola, a Catequese acaba prestando um desserviço àqueles que a procuram, abertos ao conhecimento que ela poderia prover. Padres mal educados (tanto no sentido comum, quanto no sentido de educação formal), mal intencionados, sem conhecimento da doutrina de sua própria Igreja, com uma exegese bíblica medíocre, muitas vezes dominada pela visão marxista da Teologia da Libertação, sem preocupações sérias para com aquilo que ensinam, ou seja, um indivíduo de cuja atividade não poderia resultar algo positivo. É triste perceber que quando olhamos ao redor, nas pequenas capelas de bairro ou mesmo em algumas grandes catedrais, não enxergamos a real intenção da Igreja, não vemos o resultado do trabalho do Magistério, não percebemos a orientação do Papa em suas encíclicas sendo seguida, não podemos compreender profundamente a doutrina e a filosofia cristãs a partir delas.

Pois bem. Sendo esse o cenário encontrado por um indivíduo em fase de formação pessoal e intelectual, eu pergunto: A ignorância dele para com a doutrina cristã é culpa de quem? Para mim, é muito difícil chamá-lo de ignorante, uma vez que mais ignorantes foram a sua família, os professores e os padres da Igreja Católica. Do indivíduo, não se poderia esperar outra coisa. É por isso que eu acredito piamente que muitos dos ditos ateus hoje em dia não são realmente ateus, mas apenas indivíduos com uma aversão específica contra a Igreja Católica.

Sem medo de ser redundante, eu resumo: O indivíduo nasce e cresce hoje vendo a Igreja Católica, por um lado, sendo motivo de ignorância e hipocrisia, e, por outro, sendo alvo de críticas incessantes por grande parte da sociedade. Eis a fórmula dessa aversão à Igreja disfarçada de ateísmo que vemos hoje. Foi assim comigo.


Segunda parte:
A Preservação da Ignorância dos Ignorantes sem Culpa.


A não ser por uma iniciativa da Igreja, essa realidade pintada acima é difícil de ser modificada. Visto que os indivíduos chegarão à idade adulta com essa aversão à Igreja Católica, nada mais natural que eles – vindo a se tornarem pais ou professores – passem isso adiante. Mas, é importante ressaltar aqui que esses indivíduos têm aversão a uma coisa que, de verdade, nem chegaram a conhecer. E não podemos cobrar que eles busquem esse conhecimento na idade adulta, porque aí já estão avessos a essa idéia. Ou seja, a modificação deste cenário, como eu já disse, só tem como partir de uma frente, que é da própria Igreja Católica.

Mas aqui quero me fazer entendido por estar pensando na Igreja Católica não apenas enquanto a instituição em si, mas também todos os seus fiéis. Penso principalmente naqueles que compreendem da forma correta a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério, penso nos teólogos e filósofos cristãos católicos. E penso principalmente neles porque “comandar não é um direito da elite; é seu principal dever” (A Náusea, Sartre). Eles devem puxar as rédeas. Ou seja, quando digo Igreja Católica, estou pensando em todos os bons católicos.

Voltando, temos então um indivíduo que chegou à idade adulta sem qualquer boa referência da fé cristã. Pelo contrário, tudo o que ele encontrou durante sua fase de formação foi ou maus exemplos e explicações por parte de quem era favorável à Igreja, ou uma infinidade de críticas e clichês pejorativos de quem era contra. Quase por inércia, esse indivíduo passa a passar adiante o parco conhecimento que tem. E os argumentos que foram utilizados para convencê-lo deste conhecimento fazem sentido, têm aparência de verdade. Primeiro, porque vão contra uma coisa que ele intuitivamente – levando em conta o contato que teve com aquela coisa – também não gostava. Segundo, porque os poucos argumentos vindos da outra perspectiva não faziam o menor sentido. Terceiro, porque muito provavelmente este indivíduo não está preparado para perceber distinções claras em uma discussão filosófica séria, o que o leva a tirar conclusões universais equivocadas. Por exemplo, dizem para ele que a Igreja Católica não é séria, então ele assiste na tv uma notícia sobre um padre pedófilo, ou vê esses padres metidos a show man, ou mesmo constata na capela perto de sua casa que o padre é realmente um ignorante: LOGO, a Igreja Católica não é séria mesmo. É um salto nada lógico, mas o que esperar de um indivíduo com uma educação nada refinada?

Vamos deixar então de lado a influência do contexto social, visto que a mesma definitivamente não ajuda. Pensemos, nesse caso, no nosso mesmo indivíduo avesso à religião, entrando em contato dessa vez com um bom católico. Um católico que teria embasamento suficiente para guiá-lo e apresentá-lo à real doutrina cristã. Daria certo? Tenho minhas dúvidas... Primeiro, porque acontece um fenômeno curioso. As pessoas avessas à religião já possuem uma predisposição a achar idiota qualquer argumentação de caráter religioso. Elas estão acostumadas a pensar dessa forma. Elas já possuem uma infinidade de concepções erroneamente pré-formadas sobre diversos conceitos filosóficos que dificulta (se não impede) que o contato flua. Quer ver um exemplo simples e curioso? A concepção padrão acerca de Deus. Cite Deus em qualquer conversa que se pretenda séria e automaticamente você estará desqualificado para participar. Mas, em uma dessas conversas, certa vez, propus o seguinte exercício: Pedi aos integrantes da conversa que parássemos de usar a palavra “Deus” e a substituíssemos por “Origem”. Em seguida, recomecei meus argumentos e qual não foi minha surpresa ao perceber que eles passaram a concordar com idéias do tipo “Logicamente, não é possível existir nada antes da Origem”, “A Origem necessariamente deve ter a capacidade de criar o universo”, ou levaram muito mais a sério perguntas como “Por que a Origem existiu e deu existência a tudo ao invés de não acontecer nada?”. Todos ficaram incomodados e eu percebi naquele momento que eu havia atravessado uma barreira e conseguido plantar a semente do Mistério. E eis que vieram perguntas como “Mas, por que você responde a essas questões com Deus?”. “Eu não respondo com Deus... Substituam ‘Origem’ por ‘Deus’ agora e vocês entenderão aquilo no que os filósofos, teólogos e a Igreja acreditam”. E, de repente, todos entenderam. Percebe aonde quero chegar? O preconceito e a aversão são tão grandes que não é simplesmente através do caminho padrão que poderemos criar um diálogo edificante. E esses novos caminhos é que devem ser traçados pela Igreja Católica (e todos os bons católicos).

E esse caminho deve possuir algumas premissas para que seja proveitoso. Primeiro, a compreensão de que a grande maioria das pessoas não possui as corretas concepções conceituais do discurso religioso católico. Perceba que se eu tivesse continuado a bater na tecla “Deus”, nunca conseguiria atravessar a barreira. Não é que as pessoas não saibam o que seja Deus, elas sabem errado, e Platão já disse o quanto isso é prejudicial. E podemos criticá-las? Poderíamos se a explicação correta fosse fácil de ser encontrada, o que não é o caso. Na própria Igreja pode ser que elas não encontrem uma resposta adequada. Mas, percebo que muitas vezes mesmo os bons católicos não fornecem uma resposta adequada; ao contrário, se irritam com as perguntas, taxam todos de ignorantes e auxiliam os maus padres no desserviço. Faça um paralelo do com católico com um mestre em física quântica, por exemplo: Ele está certo em taxar todos a sua volta de ignorantes porque não sabem nada de física quântica? Não, porque nunca ensinaram isso para eles e nada os força a aprender. Ao mesmo tempo, o mestre em física quântica deve falar de igual para igual com todos a sua volta quando é esse o assunto? Obviamente, também não. O que ele deve fazer, então? Ensinar. E, no caso dos católicos, ensinar com toda a humildade que a sua própria doutrina exige.

Eu sei, eu sei... Estou sendo ingênuo a pensar em todos os ateus e avessos à Igreja como pessoas de bem, que estão abertas a terem seus conceitos modificados e que estão dispostas a se tornarem católicos desde que as coisas se apresentem de uma maneira decente. Eu sei que muitos não são assim. Mas, eu era. E foi muito bom as coisas terem ido por esse caminho.

Enquanto bons católicos, devemos perceber que o fato de as pessoas serem contra a Igreja não é sinal de vileza, ou ignorância bruta e bárbara. É sinal de uma lacuna a ser preenchida pela Igreja. Muitas vezes, essas pessoas realmente estão abertas a um discurso racional (por isso que se iludem com a ciência pura como resposta para tudo), então demos razão para elas. Falta que a Igreja se posicione ativamente, divulgando suas doutrinas e explicando-as. Falta que o Catecismo não aconteça apenas entre as quatro paredes de uma sala da capela para pessoas que procuraram estar ali, mas que ele se faça presente no cotidiano das pessoas. Falta que a Teologia, como você mesmo diz, seja positiva e não negativa. Falta que mais e mais textos como o “Lendo o Gênesis com o Cardeal Ratzinger” sejam produzidos e que os mesmos inundem as mídias e a academia, ao invés de ficarem circulando apenas entre uma incoerente elite intelectual católica. Falta a excomunhão de “pastores que se portam como lobos”, que não estão preparados para dar razão à fé. Falta, falta, falta... Faltam católicos como os queriam a Igreja Católica.



Um grande abraço a todos!
E vê se cutuca a cuca!

3 comentários:

  1. Ótimo texto, Carlo. Acho que nós, católicos, temos que enfrentar esse desafio de evangelização de uma forma esperançosa. Assim como existem os ateus que realmente são ignorantes (como tantos católicos), há também aqueles que se dispõem a conversar dignamente. A tendência de ruptura violenta entre os católicos e ateus seja o principal entrave para essa conversa. É preciso não cair na tentação da guerra contra os infiéis. Muito bom o seu texto. Abraços.

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  2. Olá, Marcelo! Obrigado pela visita e pelo comentário. Realmente, temos que nos forçar a seguir o exemplo do que a Igreja vem fazendo há tanto tempo, que é travar um diálogo sério e sincero com as outras perspectivas.

    A guerra desvairada, seja ela munida de armas ou palavras, só tende a turvar os olhares da razão.

    Um grande abraço!

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