Era para ser apenas uma resposta ao comentário de Gabriel Ferreira sobre meu texto "A Lei Rouanet: Incentivo à cultura ou monopólio do financiamento?" (colocado na última postagem). Porém, foi tomando volume, então achei melhor criar um novo post. Here it comes...
Mestre Gabriel!
Bem apontado suas duas questões. É muito comum imaginarmos que um fundo totalmente público, administrado unicamente pelo governo, acabaria por ter seus destinos viesados por decisões corruptas ou, no mínimo, com intenções bastante questionáveis. Concordo plenamente. Porém, há de se ressaltar dois pontos:
1º: Hoje o fundo já é totalmente público. Quando a Lei foi criada, a intenção era de que as empresas se sentissem motivadas a financiarem projetos culturais com verba privada. Porém, o que tem ocorrido é que as empresas apenas financiam o que fica dentro dos 4% do Imposto de Renda (que é o limite estipulado pela Lei Rouanet, sendo que qualquer valor que passe disso deveria ser coberto pela empresa: que era justamente a intenção da lei). Então, no final das contas, o fundo já é público uma vez que as empresas não costumam financiar com verba privada os valores que passam dos 4%. Logo, teoricamente, não seriam criados mais impostos caso as empresas não participassem mais do processo.
2º: Hoje o fundo já é totalmente administrado pelo governo. É ele quem analisa os projetos, enviados pelos produtores culturais, e decide quais serão aprovados para o financiamento. O problema hoje é que, uma vez aprovados, os produtores precisam captar essa verba junto às empresas, que abaterão o valor do seu Imposto de Renda. E aí é que está o grande problema. Não necessariamente todos os projetos que foram aprovados para utilizarem verbas públicas para financiamento conseguirão aprovação junto aos departamentos de marketing das empresas (por não haver interesse em atrelar a marca a algum dos projetos, por não fazer parte da política da empresa etc.). Ou seja, uma parte da verba que já foi destinada pelo governo a ser utilizada para financiamento da cultura simplesmente não será utilizada, pois alguns produtores culturais não conseguirão nenhuma empresa que se interesse pelo projeto.
Sobre a questão por você levantada de que o governo poderia usar esse fundo público para marketing – uma vez que as empresas não estivessem mais no processo – também é coerente. E isso realmente aconteceria. Na verdade, isso realmente já acontece. Quanto a isso não haveria muito mais a se fazer além de conferir os relatórios anuais do Ministério da Cultura, e cobrar para que as decisões sobre os projetos aprovados fossem justas. De qualquer maneira, por mais bizarro que possa parecer esse raciocínio: Já que alguém vai fazer marketing com o financiamento, que seja quem realmente financia o projeto.
Só para levantar uma questão que não abordei no meu texto, mas que é de suma importância: Uma das cláusulas da Lei Rouanet exige que os projetos financiados através dela devem obrigatoriamente chegar ao público a preços populares. Isso pois todos os custos (incluindo divulgação do trabalho, salário de todos os envolvidos etc.) já são bancados pelo financiamento. Ou seja, o projeto não necessita que haja retorno financeiro. A idéia é justamente facilitar o acesso à cultura para a sociedade. Bem, sobre isso, não preciso nem lembrar os preços dos ingressos para o Circo de Soleil que foi financiado pelo Bradesco através da Lei Rouanet, né? E esse dinheiro todo para onde foi?
Um abração e obrigado pelo apoio sempre!
E vê se cutuca a cuca!
Carlo
terça-feira, 26 de maio de 2009
domingo, 10 de maio de 2009
Lei Rouanet para quê?
Com o crescimento do chamado Mercado Cultural, algumas questões vêm à tona sobre a sua estrutura de funcionamento. Entre diversas leis de incentivo, patrocínios, permutas, apoios, o artista por vezes se perde e não consegue perceber alguns problemas na dinâmica da produção artística. Principalmente, no que diz respeito ao mercado. Hoje, resolvi postar aqui um pequeno texto meu sobre este assunto, mais especificamente sobre a Lei Rouanet e algumas de suas complicações. Então... lá vai:
A Lei Rouanet: Incentivo à cultura ou monopólio do financiamento?
Desde a década de 70, o patrocínio de ações culturais já é pauta na agenda de diversos países. No Brasil, porém, o assunto apenas ganhou impulso a partir da década de 90, com a instituição das leis culturais. Quando, na segunda metade da década de 90, uma onda de privatizações marcou a economia brasileira, viu-se também uma explosão de patrocínio de megaeventos. Como afirma Ana Carla Fonseca Reis:
“Muitas dessas empresas não tinham como estratégia firmar um comprometimento com a cultura, mas buscavam apenas anunciar sua chegada com pompa e circunstância, junto à mídia e a seus novos consumidores.”
Uma iniciativa a priori sem problemas. Aliás, uma iniciativa que até beneficia a todos: a empresa, os artistas e os espectadores. Porém, fato é que diversos desses megaeventos foram patrocinados por empresas que se utilizaram das leis de incentivo à cultura – mais especificamente a Lei Rouanet –, o que significa que o dinheiro destinado ao patrocínio destes eventos na verdade foram verbas públicas apenas mediadas pelas instituições privadas. Qual o real problema nisso?
Em primeiro lugar, vamos rever o funcionamento da Lei Rouanet. O artista entra com um projeto no Ministério da Cultura em busca de um patrocínio para uma de suas produções. Supondo que o MinC aprove o projeto deste artista por considera-lo de importância relevante ao desenvolvimento cultural do país, ele libera uma verba para patrocínio. Porém, esta verba não sai direto de um fundo público, e sim cabe ao artista ir buscá-la junto a uma pessoa física ou jurídica, que por sua vez abaterá este valor dado ao artista do seu imposto de renda. O que vemos ser criado aqui então é um processo no qual um dos agentes não tem real funcionalidade prática: a pessoa física ou jurídica que dá o dinheiro ao artista e abate do seu imposto de renda.
No Dia Mundial do Teatro4 de 2008, em um protesto contra a Lei Rouanet, o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Ney Piacentini, afirmou:
“A lei que propomos é baseada em um fundo público. Não depende de renúncia fiscal, muito menos dos departamentos de marketing das grandes empresas, que hoje escolhem quem ganha patrocínio.”
A proposta da Lei Rouanet seria incentivar o patrocínio da cultura por parte de outros órgãos que não o governo, como as empresas, por exemplo. No entanto, as empresas são instituições privadas que visam o lucro, e todas as suas ações devem convergir para este objetivo. Consciente disso, o ideal de promover a manutenção e o desenvolvimento da cultura não estará necessariamente entre as principais metas de um patrocínio provindo de uma empresa. Em uma pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro e distribuída no Encontro do Conselho de Cultura da Associação Comercial do Rio de Janeiro, em 1998, houve uma revelação interessante no que se refere aos principais motivos invocados pelas empresas para tomarem a decisão de investir em projetos culturais: 65% delas consideram que esse investimento representa ganho de imagem institucional, enquanto 28% acham que o investimento agrega valor à marca da empresa. Motivos que não teriam problema algum não fosse o fato de que 100% da amostra de 111 empresas terem se beneficiado de leis de incentivo fiscal5.
Dentro deste conturbado contexto, cheio de confrontos de interesses, há então duas questões dignas de análise. Em primeiro lugar, a detenção por parte das empresas do poder de decisão sobre os patrocínios. E, em segundo lugar – mas não menos importante –, o bem-estar dos artistas. No fundo, as duas questões estão totalmente relacionadas, sendo talvez a primeira uma variável na função da segunda. Quanto maior o monopólio das empresas sobre a oferta de patrocínios, menor o bem-estar dos artistas. É uma simples lei econômica de oferta e demanda que anuncia uma falha no funcionamento deste processo de patrocínio. Isso sem contar os distúrbios de ordem ética que o mesmo gera, visto que é na mão de um agente que não possui um gasto real e que não possui os ideais corretos que está a decisão de quem serão os patrocinados. E mais: é sobre o nome dele que haverá o mérito de patrocinador e promovedor de cultura.
Ao utilizar o conceito de “bem-estar dos artistas”, toma-se o mesmo pelo conceito econômico. Ou seja, tendo como agentes as empresas e os artistas, e sendo estes ofertante e demandante por patrocínio respectivamente, quanto mais as empresas se apropriam do excedente dos artistas, menor o bem-estar dos mesmos. Melhorando: Uma vez que a Lei Rouanet é uma possibilidade de patrocínio com raros substitutos perfeitos, a demanda por parte dos artistas torna-se inelástica, e cria para as empresas uma condição cômoda para exigir regalias cada vez maiores. Desde um grande destaque ao nome da empresa nos meios de divulgação do trabalho artístico – muitas vezes maior até do que o nome dos próprios artistas – até cotas de ingressos para funcionários ou mesmo colocação de estandes promocionais da empresa na porta de entrada do evento. Essa posição da empresa gerada por uma falha no sistema de financiamento permite que ela se aproprie do excedente de benefícios que os artistas estariam dispostos a fornecer em troca de um patrocínio. E pior. Na verdade, a empresa consegue isso se utilizando de dinheiro público, uma vez que ela abaterá do seu imposto de renda o valor destinado ao patrocínio. Marketing de uma empresa privada financiado pelo governo.
A proposta das leis de incentivo é estimular as empresas a participarem de forma mais ativa, desenvolvendo a área cultural, gerando renda e criando mais empregos diretos e indiretos, reforçando a compreensão de que o investimento privado e público em cultura não é gasto, mas ganho em qualidade de vida da população e avanço em termos de desenvolvimento6. Ao se abster do processo direto de financiamento, trocando o fundo público pelo incentivo fiscal, o governo cria uma assimetria de poder que beneficia os ofertantes de patrocínio que não necessariamente possuem como objetivo primordial a promoção da cultura.
É isso aí.
Um grande abraço e vê se cutuca a cuca!
A Lei Rouanet: Incentivo à cultura ou monopólio do financiamento?
Desde a década de 70, o patrocínio de ações culturais já é pauta na agenda de diversos países. No Brasil, porém, o assunto apenas ganhou impulso a partir da década de 90, com a instituição das leis culturais. Quando, na segunda metade da década de 90, uma onda de privatizações marcou a economia brasileira, viu-se também uma explosão de patrocínio de megaeventos. Como afirma Ana Carla Fonseca Reis:
“Muitas dessas empresas não tinham como estratégia firmar um comprometimento com a cultura, mas buscavam apenas anunciar sua chegada com pompa e circunstância, junto à mídia e a seus novos consumidores.”
Uma iniciativa a priori sem problemas. Aliás, uma iniciativa que até beneficia a todos: a empresa, os artistas e os espectadores. Porém, fato é que diversos desses megaeventos foram patrocinados por empresas que se utilizaram das leis de incentivo à cultura – mais especificamente a Lei Rouanet –, o que significa que o dinheiro destinado ao patrocínio destes eventos na verdade foram verbas públicas apenas mediadas pelas instituições privadas. Qual o real problema nisso?
Em primeiro lugar, vamos rever o funcionamento da Lei Rouanet. O artista entra com um projeto no Ministério da Cultura em busca de um patrocínio para uma de suas produções. Supondo que o MinC aprove o projeto deste artista por considera-lo de importância relevante ao desenvolvimento cultural do país, ele libera uma verba para patrocínio. Porém, esta verba não sai direto de um fundo público, e sim cabe ao artista ir buscá-la junto a uma pessoa física ou jurídica, que por sua vez abaterá este valor dado ao artista do seu imposto de renda. O que vemos ser criado aqui então é um processo no qual um dos agentes não tem real funcionalidade prática: a pessoa física ou jurídica que dá o dinheiro ao artista e abate do seu imposto de renda.
No Dia Mundial do Teatro4 de 2008, em um protesto contra a Lei Rouanet, o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, Ney Piacentini, afirmou:
“A lei que propomos é baseada em um fundo público. Não depende de renúncia fiscal, muito menos dos departamentos de marketing das grandes empresas, que hoje escolhem quem ganha patrocínio.”
A proposta da Lei Rouanet seria incentivar o patrocínio da cultura por parte de outros órgãos que não o governo, como as empresas, por exemplo. No entanto, as empresas são instituições privadas que visam o lucro, e todas as suas ações devem convergir para este objetivo. Consciente disso, o ideal de promover a manutenção e o desenvolvimento da cultura não estará necessariamente entre as principais metas de um patrocínio provindo de uma empresa. Em uma pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro e distribuída no Encontro do Conselho de Cultura da Associação Comercial do Rio de Janeiro, em 1998, houve uma revelação interessante no que se refere aos principais motivos invocados pelas empresas para tomarem a decisão de investir em projetos culturais: 65% delas consideram que esse investimento representa ganho de imagem institucional, enquanto 28% acham que o investimento agrega valor à marca da empresa. Motivos que não teriam problema algum não fosse o fato de que 100% da amostra de 111 empresas terem se beneficiado de leis de incentivo fiscal5.
Dentro deste conturbado contexto, cheio de confrontos de interesses, há então duas questões dignas de análise. Em primeiro lugar, a detenção por parte das empresas do poder de decisão sobre os patrocínios. E, em segundo lugar – mas não menos importante –, o bem-estar dos artistas. No fundo, as duas questões estão totalmente relacionadas, sendo talvez a primeira uma variável na função da segunda. Quanto maior o monopólio das empresas sobre a oferta de patrocínios, menor o bem-estar dos artistas. É uma simples lei econômica de oferta e demanda que anuncia uma falha no funcionamento deste processo de patrocínio. Isso sem contar os distúrbios de ordem ética que o mesmo gera, visto que é na mão de um agente que não possui um gasto real e que não possui os ideais corretos que está a decisão de quem serão os patrocinados. E mais: é sobre o nome dele que haverá o mérito de patrocinador e promovedor de cultura.
Ao utilizar o conceito de “bem-estar dos artistas”, toma-se o mesmo pelo conceito econômico. Ou seja, tendo como agentes as empresas e os artistas, e sendo estes ofertante e demandante por patrocínio respectivamente, quanto mais as empresas se apropriam do excedente dos artistas, menor o bem-estar dos mesmos. Melhorando: Uma vez que a Lei Rouanet é uma possibilidade de patrocínio com raros substitutos perfeitos, a demanda por parte dos artistas torna-se inelástica, e cria para as empresas uma condição cômoda para exigir regalias cada vez maiores. Desde um grande destaque ao nome da empresa nos meios de divulgação do trabalho artístico – muitas vezes maior até do que o nome dos próprios artistas – até cotas de ingressos para funcionários ou mesmo colocação de estandes promocionais da empresa na porta de entrada do evento. Essa posição da empresa gerada por uma falha no sistema de financiamento permite que ela se aproprie do excedente de benefícios que os artistas estariam dispostos a fornecer em troca de um patrocínio. E pior. Na verdade, a empresa consegue isso se utilizando de dinheiro público, uma vez que ela abaterá do seu imposto de renda o valor destinado ao patrocínio. Marketing de uma empresa privada financiado pelo governo.
A proposta das leis de incentivo é estimular as empresas a participarem de forma mais ativa, desenvolvendo a área cultural, gerando renda e criando mais empregos diretos e indiretos, reforçando a compreensão de que o investimento privado e público em cultura não é gasto, mas ganho em qualidade de vida da população e avanço em termos de desenvolvimento6. Ao se abster do processo direto de financiamento, trocando o fundo público pelo incentivo fiscal, o governo cria uma assimetria de poder que beneficia os ofertantes de patrocínio que não necessariamente possuem como objetivo primordial a promoção da cultura.
É isso aí.
Um grande abraço e vê se cutuca a cuca!
quinta-feira, 7 de maio de 2009
E... Valendo!
Depois de adiar muito, eis aqui finalmente meu Blog. Para um escritor, acho que até relutei muito antes de entrar nesse mundo digital. Nada contra, muito pelo contrário: É por achar os Blogs muito interessantes que resolvi que só criaria um quando tivesse algo decente para postar. Se já tenho? Não sei... Mas, de repente, vi acumulados diversos textos meus - acadêmicos, artísticos ou apenas rascunhos - e não fazia idéia de qual fim dar para eles. Pronto, encontrada uma justificativa para o Blog.
Tentarei selecionar bastante o material aqui publicado, por isso as atualizações podem demorar às vezes. Espero que consiga manter uma periodicidade razoável.
É isso...
Amanhã coloco o primeiro texto.
E vê se cutuca a cuca!
Carlo
Tentarei selecionar bastante o material aqui publicado, por isso as atualizações podem demorar às vezes. Espero que consiga manter uma periodicidade razoável.
É isso...
Amanhã coloco o primeiro texto.
E vê se cutuca a cuca!
Carlo
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