terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Cenas

E o que é a vida senão um espetáculo que temos que estrear sem ensaios... Quando nos damos conta, as luzes já estão acesas, já foi dado o terceiro sinal e as cortinas estão abertas: o público espera algo de nós. Improvisamos. Vamos inventando nossas falas e criando nosso personagem, aproveitando as deixas que os outros nos dão. Os outros: alguns coadjuvantes, poucos protagonistas e muitos apenas fazem o coro, dão o tom. E lá estamos nós, nos acostumando aos poucos com esse personagem que criamos de improviso e vamos ficando à vontade com o palco, nos ofuscando menos com as luzes e sentindo menos o julgo pesado da platéia. E tão logo nos acostumamos - e já conseguimos improvisar dramas mais complexos - o espetáculo está no seu último ato, cobram de nós um desfecho. Mas ainda há tanto para concluir: aquele personagem que saiu de cena no primeiro ato, o que aconteceu com ele?, e como fica o caso do amor não correspondido?, a carta ainda não chegou?, e as pazes, e as declarações, e os sonhos anunciados no segundo ato?... não haverá mais espaço, as luzes enfraquecem, o foco está em nós. Quais são as últimas palavras? Dizemos o que primeiro nos vem à mente, mal lembramos depois o que dissemos, talvez nos arrependemos. A luz apaga, as cortinas fecham. E lá ficamos nós, sozinhos, no palco escuro atrás das cortinas. Do outro lado, ouvimos apenas alguns poucos aplausos, imaginamos alguns de pé. Respiramos fundo. Demos o nosso melhor, não demos? Hora de ir para o camarim tirar a maquiagem.




E vê se cutuca a cuca!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Vida Breve

Mais um conto do meu livro. Este é bem mais atual que os últimos postados, escrito neste mês.




Vida Breve

Há tempos ele não olhava as pequenas coisas, as sutilezas, os detalhes, há tempos ele olhava a vida de soslaio, com pressa, en passant e sem cuidado. Os ponteiros dos relógios acelerando seus passos como um abismo que se aproxima. E ele foge. Se refugia da grandeza das pequenas coisas no abrigo imaginário dos afazeres. No abrigo imaginário daqueles que têm muito a fazer, que estão ocupados demais traçando a trilha de sua vida breve: um caminho que ninguém vê. E portanto há tempos ele não se deixava tocar pelos microcosmos, pelos universos individuais que existem em cada esquina ou em cada atendente de supermercado. A vida se mostrava sempre sob o espectro do planejamento de longo prazo, com suas metas e seus meios: nada além de um caminhar árduo para se alcançar um lugar arbitrário criado nas profundezas dos seus devaneios incutidos pela crença sem razão de que na vida se deve chegar em algum lugar. Como se a vida fosse sempre uma viagem de fuga através da qual se devesse necessária e desesperadamente abandonar a terra natal, e o que se decorre durante a existência é o oceano sobre o qual devemos viajar: intocáveis: pois apenas o que importa é o destino. E assim ele há tempos não olhava as pequenas ondas do mar. E a sua vida era breve.




Um grande abraço!
E vê se cutuca a cuca.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Cambalhota

Opa...

Antes que surja mofo, segue mais um conto do meu próximo livro.


Cambalhota

O espaço está vazio pois todos estão ocupados agora. Apenas ele, um homem, se mantém sentado em um caixote de madeira apoiando os cotovelos nos joelhos e a cabeça nas mãos enquanto pensa desordenadamente em tudo que lhe aflige. Sua mulher foi embora levando consigo o garoto e tudo que deixou foi um bilhete escrito às pressas em cima da mesa sem dizer para onde ia. O homem ouve as vozes vindas lá de fora mas não se mexe, pois ainda há tempo para sua solidão. Pensa no garoto e nos olhos de sua mulher aleatoriamente enquanto lembra que o aluguel está vencido e ele ainda não tem dinheiro para pagar. Lembra também que ainda precisa se decidir se vai deixar sua mãe agora viúva vir morar com ele ou se vai dar um jeito para pagar outro aluguel além do seu. Pensa no garoto e na sua mãe e nos olhos de sua mulher e suspira profundamente lembrando que além de tudo seu cachorro está doente. Alguém entra, pega alguma coisa rápido e sai, sem falar nada, e ele ainda com seus olhos cravados no chão enquanto ouve finalmente os aplausos vindos lá de fora. Esfrega o rosto com as mãos, dá mais um suspiro e se levanta. Olha em volta ainda um pouco confuso, mas não há muito que fazer. Respira fundo, coloca o nariz vermelho e abre um sorriso; e entra no picadeiro dando uma cambalhota.


É isso aí.
E vê se cutuca a cuca!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Outono

Sempre me pergunto se há realmente necessidade de fazer alguma espécie de introdução nos posts antes de colar o texto que realmente importa... Mais inútil ainda é fazer da introdução um questionamento sobre a real necessidade da introdução.

Segue abaixo mais um conto do meu livro de contos.



Outono

Era simples para aquela senhora tomar um pileque dois três goles e dormir. Viver até bastar-se do dia e dormir até abastardar a morte. No pranto do quarto, porém, quando se olhava nua no espelho, cada ruga de sua tristeza era uma ferida na pele, como tumores, como cicatrizes sem glória de uma guerra perdida. E ela, combatente sem farda ou vergonha, via nas rugas os filhos, na flacidez o trabalho, nos cortes de estrias que varavam o corpo todos os instantes de uma vida ridícula. E tomava um pileque dois três goles para esquecer e dormir e deitar e morrer, todas as noites, na esperança de renascer quando manhã. Mas então o sol é o mesmo e o céu e o dia os mesmos e ela também; senhora, velha que não quer a velhice, que pinta a juventude com batom. Sob os olhos esconde a angústia com pó, lápis e pincel. Esconde a morte, disfarça a dor de não ser mais aquilo que a fazia ser quem fora. Era agora um espelho quebrado para o mundo, acreditava. E para ela mesma não sabia o que ser, perdida em uma nudez seca com um vestido de seda aos pés.

(Setembro/2009)


Um grande abraço!

E vê se cutuca a cuca!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Textos velhos...

Assoprando para tirar o pó do Blog... Agora não tenho mais tantas desculpas (só algumas)... Vai aí um texto antigo, que pertence ao meu livro de pequenos contos. Boa leitura!


ONÍRICA

Sons de uma vozinha aguda meio desconexos entrecortados por musiquinhas sem ritmo feitas com gemidinhos vêm pelo corredor ecoando baixinho provindos da porta semi-aberta do quarto da garotinha criança. Lá dentro, segurando uma boneca em cada mão e por vezes largando uma para pegar a terceira para que agora essas duas interajam enquanto a outra repousa deitada com a cara virada para o chão, a menina brinca em paz ajoelhada sobre o tapete ao lado da cama simulando o andar das bonecas ao fazê-las dar pulinhos descoordenados. Suas frases são pronunciadas em pedaços interminados e os sons que emite por vezes não fazem sentido para algum possível mas no momento inexistente observador, porque na verdade pouco importam pois toda a harmonia e existência daquele mundo feito à imitação com aquelas bonecas duras de plástico está dentro dela sendo real de alguma forma. E ela pouco ou nada se dá conta de que enquanto brinca é este mundo material e concreto que tenta reproduzir o que sem fingimento apenas acontece e realmente existe em um universo intocável que ela carrega dentro de si; que a realidade não está aqui mas lá onde aquelas bonecas pronunciam frases perfeitas e caminham sem pulinhos em um mundo muito maior que o tapete daquele quarto. Em verdade, quando sua mãe lhe requisita para o almoço aos berros da cozinha, é a real realidade da garotinha criança que se suspende dando espaço a este universo de bonecas de plástico.




(Setembro/2007)


Um abraço a todos e, em breve, novas postagens!

E vê se cutuca a cuca!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sandálias de Couro ou o Escritor Brasileiro Contemporâneo Popular

Aiô, Silver!

Ando meio desandado esses tempos em relação à Arte. Não sei se porque tenho refletido muito sobre algumas questões primordiais do fazer artístico, e acabo não avançando na produção enquanto não me resolvo com esses problemas, ou se porque sou preguiçoso mesmo. De qualquer maneira, tenho me conformado com algumas premissas desse fazer artístico, pelo menos enquanto arte produzida no Brasil no contexto atual. E dessas premissas tenho concluído que eu não posso ser um escritor brasileiro contemporâneo popular... segue um texto meu explicando o porquê:



Sandálias de Couro ou o Escritor Brasileiro Contemporâneo Popular

Eu não posso ser um escritor brasileiro contemporâneo popular porque eu não gosto de usar sandálias de couro.

Eu não posso ser um escritor brasileiro contemporâneo popular porque eu deixo minha barba mal feita por desleixo e não por ideologia.

Eu sei que nunca poderei ser um escritor brasileiro contemporâneo popular enquanto na minha prateleira houver um espaço reservado aos livros de economia empresarial, à Bíblia e aos livros de direita conservadora, independente da minha opinião sobre eles.

Eu sei que nunca poderei ser um escritor brasileiro contemporâneo popular enquanto eu não enxergar poesia nenhuma na miséria, nem tampouco achar que todos são artistas, nem tampouco aceitar que a Arte não tenha restrições.

Eu não posso ser um escritor brasileiro contemporâneo popular porque eu duvido da eficácia de modelos sociais erigidos pelos homens, não confio na razão coletiva e acho a democracia um sistema imperfeito por levar em conta a opinião de pessoas que não deveriam ter suas opiniões levadas em conta,

e eu não posso ser um escritor brasileiro contemporâneo popular porque eu não sei resolver esse problema.

Aliás, esse é um outro motivo pelo qual eu nunca poderei ser um escritor brasileiro contemporâneo popular: eu não tenho alternativa para 90% dos problemas da humanidade.

Sem contar que conheço pouco de Chico, não acho mendigo legal, gosto de ganhar bem pelo que faço, não me importo com a história do Che e acho alguns filmes iranianos um saco de se assistir.

Como eu posso querer ser um escritor brasileiro contemporâneo popular desse jeito? São muitas imperfeições...

Eu nunca o serei enquanto as palavras comunismo, socialismo, esquerda, revolução e oprimidos estiverem associadas em minha memória à palavra fascismo.

Eu nunca o serei enquanto não tiver vergonha de achar Tom Zé uma merda.

Eu nunca o serei enquanto tiver convicção de que Brecht era um grande teatrólogo mas um péssimo intelectual.

Eu nunca o serei enquanto cismar em dizer que Marx era genial mas justamente pelo motivo oposto que enfatizam os marxistas.

E finalmente eu nunca o serei enquanto acreditar que a existência de hierarquias é uma premissa para o progresso da civilização.

Um escritor brasileiro contemporâneo popular não pode dizer essas coisas, não pode agir assim.

Então, eu não posso ser um escritor brasileiro contemporâneo popular; pelo menos não enquanto eu souber o porquê.




Por enquanto é só, pessoal! Um grande abraço!
E vê se cutuca a cuca!

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Num piscar de olhos, a realidade.

Holaquetal?

Faz exatamente dois meses que nosso ilustríssimo Gabriel Ferreira postou um ótimo texto em seu site Inter-esse. Desde então, tenho tanto postergado tanto este comentário, que acabei até gerando certa expectativa. Espero não frustrá-lo. Mas, fato é que iniciei e desisti deste texto por diversas vezes, até encontrar o tom correto das palavras que eu queria dizer.

Antes de prosseguirem, por favor, leiam ou releiam o texto que originou o que se segue: http://www.gabrielferreira.com.br/index.php/algumas-consideraes-sobre-as-perspectivas-atuais-da-teologia-e-da-filosofia-da-religio/


Tentei criar argumentos, concordar, discordar e criar reflexões a partir dos seus escritos, porém nada se mostrava da maneira como eu desejava. E o que eu simplesmente desejava era deixar claro o que eu penso sobre o status quo, no que se refere à Teologia Moderna, à Filosofia e à relação entre a sociedade e a Igreja Católica. Acredito ter encontrado este tom abandonando o caráter técnico do texto acadêmico e descrevendo, sem muitas preocupações, como se decorreu comigo a aproximação com o Cristianismo. E não é à toa que faço isso: Acredito que as dúvidas, angústias e opiniões que me eram latentes em relação ao Cristianismo – e, principalmente, à Igreja Católica –, antes dos meus parcos estudos, assolam uma grande maioria dos ditos “ateus”, ou, pelo menos, daqueles que de alguma maneira possuem qualquer tipo de aversão àquilo que hoje nos é tão caro. Por isso, tenha sempre em mente que a grande maioria dessas pessoas poderia ser levada em conta em cada “eu” descrito neste texto.

Separarei o texto, para efeito de facilitação do entendimento, em duas etapas. Vamos à primeira:


A Formação dos Ateus (Ignorantes sem Culpa)

Fato é que hoje acredito que muito da culpa de tantas pessoas avessas à Igreja é da própria Igreja e, principalmente, dos cristãos. Desde pequeno, o contato com aquilo que provém da Igreja, em todos os aspectos, é feito de forma tosca. Primeiro, porque os que se dizem fiéis não compreendem exatamente aquilo no que acreditam e não cumprem um terço daquilo que insistem em pregar, o que resulta em ensinamentos xucros e superficiais, além de uma hipocrisia causada pela realidade entre aquilo que pronunciam e aquilo que praticam. “Queira Deus que os filhos contemplem mais os momentos de harmonia e afeto dos pais e não os de discórdia e distanciamento, pois o amor entre o pai e a mãe oferece aos filhos uma grande segurança e ensina-lhes a beleza do amor fiel e duradouro” (A Transmissão da Fé na Família, Ratzinger). Obviamente, isso é percebido pelas crianças e adolescentes, e não é à toa que provavelmente chegarão céticos quanto a esse assunto na idade adulta. Ou seja, em casa não se tem um bom exemplo, do qual pudesse surgir uma admiração por parte das crianças: Aquela mesma admiração que as fazem desejar ter a mesma profissão dos pais. As crianças não enxergam nos pais a mesma devoção que possuem quanto à profissão dedicada à religião. Como escreveu Felipe Aquino: “É no colo da mãe e do pai que a criança precisa conhecer a Deus e seu amor, seu plano para o mundo, o sentido da vida, o valor da virtude, a obediência aos Mandamentos, a vivência dos Sacramentos, uma reta moral de vida, e a vida de oração. Quem não conheceu o amor de Deus através do amor dos pais terá muito mais dificuldade para acolher e experimentar esse amor e viver uma vida religiosa autêntica”. Tanto é verdade isso que sou prova viva de como o bom exemplo dentro de casa traça fortemente os caminhos que tomamos na vida. Apesar de ter abdicado de qualquer posição religiosa durante quase toda a minha vida, sempre carreguei o exemplo do amor verdadeiro que tive dentro de casa. Mesmo não tendo uma orientação a partir da doutrina cristã católica, de alguma maneira, enxergava no respeito, caridade, honra e educação – que sempre foram exigidos dentro de casa – uma base sólida para a concepção do meu caráter. Tão forte é isso que ao estabelecer um contato mais próximo e sério com a filosofia da Igreja, percebi o quanto ela dava sentido àqueles valores que sempre carreguei. Tive sorte de ter uma boa família, sou uma exceção. Uma criança que não aprende o valor da virtude, nem os corretos ensinamentos do cristianismo (solidificados através do exemplo dos pais), certamente tenderá para outros caminhos.

Mas no que tange as influências externas ao indivíduo, ainda restariam duas salvações para aqueles que não gozaram de uma família harmoniosa. A primeira é a escola, mas o conteúdo da mesma hoje está invadido por um pensamento imediatista e carregado daquele cientificismo das provas empíricas anti-religioso. Isso sem contar a pedagogia medíocre e péssima qualidade dos professores. Logo, as grandes questões da existência não surgem para que se pudesse, ao menos, plantar o germe da inquietação nos alunos. Eles passam ilesos das questões fundamentais da existência. Veja bem: Eu não acho que necessariamente a escola deva ter a doutrina cristã como fio condutor, mas sim que a educação por ela provida deveria obrigatoriamente inquietar os alunos quanto a essas questões fundamentais. Ao contrário, hoje a escola limita, desestimula a vontade de conhecer e se esforça para extinguir dos alunos a angústia da existência. O resultado é que os jovens hoje não são ateus, são anêmicos.

A segunda salvação seria o Catecismo e a Crisma (Catequese), cuja obrigação para as crianças ainda existe na grande maioria dos lares (mesmo nos daqueles péssimos fiéis já citados). E, aí sim, está o problema mais grave, a ferida mais exposta. A própria Igreja não designa Padres suficientemente preparados para essa atividade tão crucial para a sua sobrevivência. Assim como a escola, a Catequese acaba prestando um desserviço àqueles que a procuram, abertos ao conhecimento que ela poderia prover. Padres mal educados (tanto no sentido comum, quanto no sentido de educação formal), mal intencionados, sem conhecimento da doutrina de sua própria Igreja, com uma exegese bíblica medíocre, muitas vezes dominada pela visão marxista da Teologia da Libertação, sem preocupações sérias para com aquilo que ensinam, ou seja, um indivíduo de cuja atividade não poderia resultar algo positivo. É triste perceber que quando olhamos ao redor, nas pequenas capelas de bairro ou mesmo em algumas grandes catedrais, não enxergamos a real intenção da Igreja, não vemos o resultado do trabalho do Magistério, não percebemos a orientação do Papa em suas encíclicas sendo seguida, não podemos compreender profundamente a doutrina e a filosofia cristãs a partir delas.

Pois bem. Sendo esse o cenário encontrado por um indivíduo em fase de formação pessoal e intelectual, eu pergunto: A ignorância dele para com a doutrina cristã é culpa de quem? Para mim, é muito difícil chamá-lo de ignorante, uma vez que mais ignorantes foram a sua família, os professores e os padres da Igreja Católica. Do indivíduo, não se poderia esperar outra coisa. É por isso que eu acredito piamente que muitos dos ditos ateus hoje em dia não são realmente ateus, mas apenas indivíduos com uma aversão específica contra a Igreja Católica.

Sem medo de ser redundante, eu resumo: O indivíduo nasce e cresce hoje vendo a Igreja Católica, por um lado, sendo motivo de ignorância e hipocrisia, e, por outro, sendo alvo de críticas incessantes por grande parte da sociedade. Eis a fórmula dessa aversão à Igreja disfarçada de ateísmo que vemos hoje. Foi assim comigo.


Segunda parte:
A Preservação da Ignorância dos Ignorantes sem Culpa.


A não ser por uma iniciativa da Igreja, essa realidade pintada acima é difícil de ser modificada. Visto que os indivíduos chegarão à idade adulta com essa aversão à Igreja Católica, nada mais natural que eles – vindo a se tornarem pais ou professores – passem isso adiante. Mas, é importante ressaltar aqui que esses indivíduos têm aversão a uma coisa que, de verdade, nem chegaram a conhecer. E não podemos cobrar que eles busquem esse conhecimento na idade adulta, porque aí já estão avessos a essa idéia. Ou seja, a modificação deste cenário, como eu já disse, só tem como partir de uma frente, que é da própria Igreja Católica.

Mas aqui quero me fazer entendido por estar pensando na Igreja Católica não apenas enquanto a instituição em si, mas também todos os seus fiéis. Penso principalmente naqueles que compreendem da forma correta a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério, penso nos teólogos e filósofos cristãos católicos. E penso principalmente neles porque “comandar não é um direito da elite; é seu principal dever” (A Náusea, Sartre). Eles devem puxar as rédeas. Ou seja, quando digo Igreja Católica, estou pensando em todos os bons católicos.

Voltando, temos então um indivíduo que chegou à idade adulta sem qualquer boa referência da fé cristã. Pelo contrário, tudo o que ele encontrou durante sua fase de formação foi ou maus exemplos e explicações por parte de quem era favorável à Igreja, ou uma infinidade de críticas e clichês pejorativos de quem era contra. Quase por inércia, esse indivíduo passa a passar adiante o parco conhecimento que tem. E os argumentos que foram utilizados para convencê-lo deste conhecimento fazem sentido, têm aparência de verdade. Primeiro, porque vão contra uma coisa que ele intuitivamente – levando em conta o contato que teve com aquela coisa – também não gostava. Segundo, porque os poucos argumentos vindos da outra perspectiva não faziam o menor sentido. Terceiro, porque muito provavelmente este indivíduo não está preparado para perceber distinções claras em uma discussão filosófica séria, o que o leva a tirar conclusões universais equivocadas. Por exemplo, dizem para ele que a Igreja Católica não é séria, então ele assiste na tv uma notícia sobre um padre pedófilo, ou vê esses padres metidos a show man, ou mesmo constata na capela perto de sua casa que o padre é realmente um ignorante: LOGO, a Igreja Católica não é séria mesmo. É um salto nada lógico, mas o que esperar de um indivíduo com uma educação nada refinada?

Vamos deixar então de lado a influência do contexto social, visto que a mesma definitivamente não ajuda. Pensemos, nesse caso, no nosso mesmo indivíduo avesso à religião, entrando em contato dessa vez com um bom católico. Um católico que teria embasamento suficiente para guiá-lo e apresentá-lo à real doutrina cristã. Daria certo? Tenho minhas dúvidas... Primeiro, porque acontece um fenômeno curioso. As pessoas avessas à religião já possuem uma predisposição a achar idiota qualquer argumentação de caráter religioso. Elas estão acostumadas a pensar dessa forma. Elas já possuem uma infinidade de concepções erroneamente pré-formadas sobre diversos conceitos filosóficos que dificulta (se não impede) que o contato flua. Quer ver um exemplo simples e curioso? A concepção padrão acerca de Deus. Cite Deus em qualquer conversa que se pretenda séria e automaticamente você estará desqualificado para participar. Mas, em uma dessas conversas, certa vez, propus o seguinte exercício: Pedi aos integrantes da conversa que parássemos de usar a palavra “Deus” e a substituíssemos por “Origem”. Em seguida, recomecei meus argumentos e qual não foi minha surpresa ao perceber que eles passaram a concordar com idéias do tipo “Logicamente, não é possível existir nada antes da Origem”, “A Origem necessariamente deve ter a capacidade de criar o universo”, ou levaram muito mais a sério perguntas como “Por que a Origem existiu e deu existência a tudo ao invés de não acontecer nada?”. Todos ficaram incomodados e eu percebi naquele momento que eu havia atravessado uma barreira e conseguido plantar a semente do Mistério. E eis que vieram perguntas como “Mas, por que você responde a essas questões com Deus?”. “Eu não respondo com Deus... Substituam ‘Origem’ por ‘Deus’ agora e vocês entenderão aquilo no que os filósofos, teólogos e a Igreja acreditam”. E, de repente, todos entenderam. Percebe aonde quero chegar? O preconceito e a aversão são tão grandes que não é simplesmente através do caminho padrão que poderemos criar um diálogo edificante. E esses novos caminhos é que devem ser traçados pela Igreja Católica (e todos os bons católicos).

E esse caminho deve possuir algumas premissas para que seja proveitoso. Primeiro, a compreensão de que a grande maioria das pessoas não possui as corretas concepções conceituais do discurso religioso católico. Perceba que se eu tivesse continuado a bater na tecla “Deus”, nunca conseguiria atravessar a barreira. Não é que as pessoas não saibam o que seja Deus, elas sabem errado, e Platão já disse o quanto isso é prejudicial. E podemos criticá-las? Poderíamos se a explicação correta fosse fácil de ser encontrada, o que não é o caso. Na própria Igreja pode ser que elas não encontrem uma resposta adequada. Mas, percebo que muitas vezes mesmo os bons católicos não fornecem uma resposta adequada; ao contrário, se irritam com as perguntas, taxam todos de ignorantes e auxiliam os maus padres no desserviço. Faça um paralelo do com católico com um mestre em física quântica, por exemplo: Ele está certo em taxar todos a sua volta de ignorantes porque não sabem nada de física quântica? Não, porque nunca ensinaram isso para eles e nada os força a aprender. Ao mesmo tempo, o mestre em física quântica deve falar de igual para igual com todos a sua volta quando é esse o assunto? Obviamente, também não. O que ele deve fazer, então? Ensinar. E, no caso dos católicos, ensinar com toda a humildade que a sua própria doutrina exige.

Eu sei, eu sei... Estou sendo ingênuo a pensar em todos os ateus e avessos à Igreja como pessoas de bem, que estão abertas a terem seus conceitos modificados e que estão dispostas a se tornarem católicos desde que as coisas se apresentem de uma maneira decente. Eu sei que muitos não são assim. Mas, eu era. E foi muito bom as coisas terem ido por esse caminho.

Enquanto bons católicos, devemos perceber que o fato de as pessoas serem contra a Igreja não é sinal de vileza, ou ignorância bruta e bárbara. É sinal de uma lacuna a ser preenchida pela Igreja. Muitas vezes, essas pessoas realmente estão abertas a um discurso racional (por isso que se iludem com a ciência pura como resposta para tudo), então demos razão para elas. Falta que a Igreja se posicione ativamente, divulgando suas doutrinas e explicando-as. Falta que o Catecismo não aconteça apenas entre as quatro paredes de uma sala da capela para pessoas que procuraram estar ali, mas que ele se faça presente no cotidiano das pessoas. Falta que a Teologia, como você mesmo diz, seja positiva e não negativa. Falta que mais e mais textos como o “Lendo o Gênesis com o Cardeal Ratzinger” sejam produzidos e que os mesmos inundem as mídias e a academia, ao invés de ficarem circulando apenas entre uma incoerente elite intelectual católica. Falta a excomunhão de “pastores que se portam como lobos”, que não estão preparados para dar razão à fé. Falta, falta, falta... Faltam católicos como os queriam a Igreja Católica.



Um grande abraço a todos!
E vê se cutuca a cuca!